Por que choras linda donzela, tão alva e misteriosa quanto a lua?
Por que choras, cara senhora, da alma tão negra quanto uma noite sem luar?
A podridão que de ti eflui suplanta o suave e doce perfume de todos os narcisos!
Então, alva e pútrida mulher, porque choras?
Não cortaste tu mesma os laços?
Não rasgaste em tiras tuas vestes e condenaste à morte o pudor?
Eu não tenho a cura para o mal que te consome, pobre menina do reptiliano olhar.
Antes de andares por aqui, onde os caminhos partem-se ao pisar, a terra era firme e verde e convidava, vez por outra, os errantes a cochilar sobre a relva.
O sol não lhes queimava a retina, brilhava antes morno e agradável como um abraço vespertino e primaveril.
E colhiam-se flores de lavanda, que já não podem perfumar o que agora é todavia charco e podridão.
Tudo cortaste ao meio na tua busca insensata pela eternidade inatingível.
Eterno, Alva Donzela, apenas o fenecer!
É a Morte que procuras tu como consolo? Essa é a eternidade que almejas?
Pois apenas Ela, ignóbil criança, é capaz de acompanhar-te eternamente.
Nem promessas, nem amor, nem delírios.
Oh, Alva Donzela, que com negras vestes caminhas, tuas lágrimas nutrem o mar, mas nem ele excede o pranto que a tantos obrigaste a derramar.
Teus barcos de papel são incapazes de suportar o peso do destino que escolheste!
Afoga-te na vergonha que trouxeste na bagagem! Na mentira e traição que trazes estampadas nos trapos e na pele!
Cada palavra tua de escárnio, repúdio, juízo ou advertência revoltou-se e ecoou no vazio que deixaste, retornando, vezes sem conta, aos teus ouvidos fazendo-te tremer.
E oscilas, tal qual um candelabro de cristal sob um pavimento instável em dia de festa, toda a vez que te perguntam por onde andaste ou o que estiveste a semear.
Receias agora a safra que te espera!
Aquela que dantes deleitava-se sob a chuva, clama agora pela estiagem.
Imploras a um deus, do qual sempre duvidaste, que te faça secar a colheita e, no entanto, és tu quem definha aos poucos.
O medo do revés apodera-se de ti, te sufoca e te faz murchar lentamente, como uma flor esquecida entre as páginas de um livro que ninguém mais lê.
O que acontece agora do lado avesso do mundo?
O inferno já abriu-te as portas ao paraíso prometido?
Caíste então nas armadilhas de alguém tão execrável quanto tu?
O pecado sempre fez parte de ti, embora oculto aos olhos encandeados pelo teu brilho.
Inumeráveis foram as novenas a ti rendidas, mas hoje tua imagem parte-se ao chão e revela o lodo, o lixo, o podre de ti mesma.
És terra seca e infértil, desesperada por uma gota de chuva que jamais cairá.
Vagueias em total desespero, agarrada aos restos dos corações que ceifaste, por entre frias paredes, a olvidar-te aos poucos do cheiro dos ciprestes no outono, das folhas douradas no chão, do gosto da fruta madura e do som das vozes a soar em uníssono com teu coração.
A beira de um lúgubre caminho chorava uma criança, alva e maldita, que escolheu como madrinha a Solidão!
Maria Beck Pombo