Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares – Criança dos olhos de dragão

Turistando Lendas e Lugares – Criança dos olhos de dragão

Opinião | 6 Abril 2021

Por que choras linda donzela, tão alva e misteriosa quanto a lua?

Por que choras, cara senhora, da alma tão negra quanto uma noite sem luar?

A podridão que de ti eflui suplanta o suave e doce perfume de todos os narcisos!

Então, alva e pútrida mulher, porque choras?

Não cortaste tu mesma os laços?

Não rasgaste em tiras tuas vestes e condenaste à morte o pudor?

Eu não tenho a cura para o mal que te consome, pobre menina do reptiliano olhar.

Antes de andares por aqui, onde os caminhos partem-se ao pisar, a terra era firme e verde e convidava, vez por outra, os errantes a cochilar sobre a relva.

O sol não lhes queimava a retina, brilhava antes morno e agradável como um abraço vespertino e primaveril.

E colhiam-se flores de lavanda, que já não podem perfumar o que agora é todavia charco e podridão.

Tudo cortaste ao meio na tua busca insensata pela eternidade inatingível.

Eterno, Alva Donzela, apenas o fenecer!

É a Morte que procuras tu como consolo? Essa é a eternidade que almejas?

Pois apenas Ela, ignóbil criança, é capaz de acompanhar-te eternamente.

Nem promessas, nem amor, nem delírios.

Oh, Alva Donzela, que com negras vestes caminhas, tuas lágrimas nutrem o mar, mas nem ele excede o pranto que a tantos obrigaste a derramar.

Teus barcos de papel são incapazes de suportar o peso do destino que escolheste!

Afoga-te na vergonha que trouxeste na bagagem! Na mentira e traição que trazes estampadas nos trapos e na pele!

Cada palavra tua de escárnio, repúdio, juízo ou advertência revoltou-se e ecoou no vazio que deixaste, retornando, vezes sem conta, aos teus ouvidos fazendo-te tremer.

E oscilas, tal qual um candelabro de cristal sob um pavimento instável em dia de festa, toda a vez que te perguntam por onde andaste ou o que estiveste a semear.

Receias agora a safra que te espera!

Aquela que dantes deleitava-se sob a chuva, clama agora pela estiagem.

Imploras a um deus, do qual sempre duvidaste, que te faça secar a colheita e, no entanto, és tu quem definha aos poucos.

O medo do revés apodera-se de ti, te sufoca e te faz murchar lentamente, como uma flor esquecida entre as páginas de um livro que ninguém mais lê.

O que acontece agora do lado avesso do mundo?

O inferno já abriu-te as portas ao paraíso prometido?

Caíste então nas armadilhas de alguém tão execrável quanto tu?

O pecado sempre fez parte de ti, embora oculto aos olhos encandeados pelo teu brilho.

Inumeráveis foram as novenas a ti rendidas, mas hoje tua imagem parte-se ao chão e revela o lodo, o lixo, o podre de ti mesma.

És terra seca e infértil, desesperada por uma gota de chuva que jamais cairá.

Vagueias em total desespero, agarrada aos restos dos corações que ceifaste, por entre frias paredes, a olvidar-te aos poucos do cheiro dos ciprestes no outono, das folhas douradas no chão, do gosto da fruta madura e do som das vozes a soar em uníssono com teu coração.

A beira de um lúgubre caminho chorava uma criança, alva e maldita, que escolheu como madrinha a Solidão!

 

Maria Beck Pombo

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