“São Longuinho, São Longuinho, se eu achar o que preciso dou três pulinhos.”
Era assim que eu resolvia o desaparecimento de todos os meus tesouros quando guria.
É facto que até mesmo nos dias actuais recorro ao Santo nos meus momentos de precisão, com um sorriso nos lábios e a transportar-me para a infância e, mesmo já mulher feita, ele nunca deixou de me atender.
Se é por algum milagre ou por apenas activar qualquer região da minha memória subconsciente, eu não posso dizer. Mas que o objecto sempre aparece e eu tenho prazer em cumprir minha promessa, isso é realidade!
Toda a vez que recorro a São Longuinho (ou Longinus para os católicos, o homem que, com sua lança, pôs fim ao sofrimento de Cristo), lembro da minha bisavó, Dinda.
Índia guapa, benzedeira, meio católica e muito bruxa, que usava suas habilidades mágicas para curar toda a sorte de maleitas, especialmente nas crianças.
Com tesoura, arruda, carvão e um copo d’agua, “Vó Dinda” cortava quebrantos, invejas, terçolhos e uma dezena de outros males, e estava sempre disposta a ouvir, com o coração, os problemas alheios, assim como a indicar, com a alma, soluções.
Era uma mulher forte, decidida, matriarca, que sempre tinha, sobre o fogão à lenha, água quente para o chimarrão e os chás de ervas, bem como pão caseiro recém cozido sobre a mesa, para matar a sede e a fome dos andejos.
Partiu, aos 93 anos, para as invernadas do Além e deixou-me de herança um anel e uma saudade.
Carrego os dois comigo diariamente, mas deixei escapar sua maior riqueza: a arte da benzedura. Essa, por mais que eu peça, São Longuinho não me pode ajudar a encontrar, mesmo que eu traga um São Jorge amarrado no dedo.
Ficou perdida entre os pintainhos e as galinhas que eu tanto amava perseguir ou enterrada na areia que eu escavava para construir meus castelos, no tempo que eu não dediquei a aprender com a minha bisavó, por estar ocupada demais a ser criança e, como toda a criança, a ignorar que o tempo é água de sanga que corre, sem encontrar obstáculos, para desaguar no rio.
Trago apenas fragmentos de lembranças dos instrumentos e das rezas, mas sobretudo da gratidão que vinha de cada pessoa que ela ajudava.
Nunca pediu nada em troca do amor que entregava, como toda benzedeira que se preze, e eu, que tanto admirava minha bisavó a espalhar o bem por quem passasse por suas calejadas mãos, fui benzida e abençoada por ter tido convivência com essa pessoa tão grandiosa.
Quando o coração é terno e a alma é pura, somos do tamanho do Universo!
Maria Beck Pombo