Sentada sobre a cama, fitava o verde da paisagem através da janela aberta e sentia a brisa fresca da manhã que soprava húmida e anunciava um nublado dia de primavera.
Surpreendentemente era exatamente assim que ela mais apreciava os dias: nublados e frescos, pois eram um convite à auto reflexão, ao mergulho nas profundidades do Eu que auxiliavam a curar feridas e quebrar correntes.
E nem todos os deuses saberiam dizer quantas feridas e correntes ele colecionara de quase duas décadas para cá…
Pensava insistentemente em como esquecer as injúrias que lhe infringiram, em como não fermentar a mágoa por ter sido covardemente injustiçada, usada, sugada, roubada, pois o produto desse ruminar de densas emoções não produzia o álcool que lhe permitisse evadir-se e sim o ácido que a consumia por dentro.
É certo que ela deveria perdoar e seguir adiante mas, verdade seja dita: “quem apanha não esquece” e geralmente quem prega a dignidade em dar a outra face é o próprio algoz!
Imersa em todos esses pensamentos, levantou-se da cama e sacudiu a preguiça e a autocomiseração do corpo e da mente, caminhou até o grande e oval espelho dourado que tinha pendurado na parede do quarto e perguntou à sua própria imagem reflectida, num tom muito dramático pois tinha um propósito muito sério a brincadeira:
- Espelho, Espelho meu, quem aqui é mais estoica do que eu?
Assentiu a resposta com um sorriso, vestiu a armadura e preparou-se para começar os trabalhos que permitirão que ela espalhe magia e cura por onde passar, pois já entende que essa é a sua missão.
Ainda que caminhe devagar, exercitando o perdão e o desapego, trilhando aos tropeços a estrada que conduz à paz interior, está cada vez mais convicta de que alcançará o seu propósito ainda que o caminho seja árduo, pois nunca é fácil a trajetória daqueles que nasceram para a batalha.
Não há espaço para vítimas no exército de Iansã!
Eparrey Oyá!
Maria Beck Pombo