Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares – Amar é perder o controle

Turistando Lendas e Lugares – Amar é perder o controle

Opinião | 2 Fevereiro 2021

Há muito tempo ela planeava fazer aquela Caminhada, apenas desconhecia que a ruína de todos os seus sonhos seria a força motriz que a impeliria de pôr os pés na estrada.

Saíra assim, numa manhã de fim de primavera, despida das saias e das esperanças, rumo a um encontro consigo mesma que se fazia urgente, mais do que nunca.

Totalmente desiludida com o mundo, com as pessoas, com o amor…

Convencida de que o amor não era coisa para ela.

Caminhou até os pés sangrarem, por entre cidades e matas, por caminhos planos e íngremes, que se desdobravam em paisagens magníficas sobre as quais nunca dantes havia posto os olhos.

Desse modo começara a acostumar-se, dia-após-dia, a ideia de viver só, como nos acostumamos com a dor de uma ferida que não cicatriza, mas que se anestesia de tanto pisarmos sobre ela.

No meio do Caminho não havia uma pedra… havia um homem!

Um homem que cheirava a mar e que era o oposto de todos aqueles que ela conhecera até então.

Um homem… mais novo, mais alto, mais forte. Que havia abandonado, muito antes dela, a esperança de encontrar o seu “final feliz”.

Um homem rude, embrutecido pela vida, que aprendera a duras penas a manear os sentimentos no mais profundo do seu ser, condenando-os a viver sob o jugo da razão.

Um homem que, assim como o amor, também não era para ela.

Ela que era uma dicotomia: tanto terra fértil para o florescer dos sentidos, vulcões e tempestades, quanto o cabresto dos próprios sentimentos. O controlo absoluto que decidia quem ou não amar. Porém, sentiu-se atraída pelo desconhecido e entregava, um passo após o outro, as chaves do coração em desalinho que trazia encerrado no peito.

E a cada etapa concluída os dois adentravam um pouco mais no mundo, tão distinto, um do outro, até não conseguirem mais imaginar como seria a vida se não estivessem lado-a-lado.

Mas todos os caminhos têm um fim…

Despediram-se do universo fantástico que criaram juntos, com a promessa de se tornarem a encontrar depois de sete dias.

Sete dias… era tempo demais para quem não sabia mais do que o primeiro nome, o telefone e a cidade de origem daquele que se tornara o bote a carregar sua esperança em alto mar.

Tentou novamente controlar o coração. “Um amor de primavera, não mais que isso” - pensou ela e, preparada para acreditar naquele engodo, seguiu viagem até Lisboa, a tentar não recordar os momentos que vivera até ali.

Fazia-se noite, preparava-se para dormir quando seu telefone tocou. Do outro lado da linha uma voz, já muito familiar, lhe chama pelo primeiro nome e comunica, num tom grave:

— Não vou poder ir no domingo…

O seu mundo não desaba, pois ela já sabia que assim seria, ou ao menos preparou-se para tal. “Ao menos ele teve a decência de avisar e não me deixar à espera eternamente…” – pensou. Depois atreveu-se a perguntar:

— Está bem, posso perguntar o porquê?

Temia a resposta, o descontrolo começava a tomar conta, não o descontrole da situação e sim do que abrigava dentro dela. Mas continuava a respirar calma e profundamente de modo a não lhe dar a conhecer seu desconsolo, o orgulho não a permitia que o fizesse.

Então a voz do outro lado disse:

— Abre a porta!

Ela abriu. Sentiu-se a desfalecer com a surpresa e o coração a inflamar-se. Nunca dantes agradecera mais aos deuses por estar completamente errada!

Naquela noite repousou, agradecida, entre os braços daquele homem que cheirava a mar e que nunca pensara ser para ela, mas que os deuses criaram especialmente para que, para ela, fosse o Único.

Percebera, por fim, que abdicar do controle dessa relação permitira que ela vivesse o amor verdadeiramente, sem máscaras, sem expectativas insuperáveis ou promessas não cumpridas.

Algumas vezes quanto mais se perde, mais se ganha!

 

Maria Beck Pombo

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