Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares – Água de beber

Turistando Lendas e Lugares – Água de beber

Opinião | 5 Abril 2022

Sempre tivera uma maneira muito peculiar de fazer amigos.

Tropeçava assim, vez por outra, em paisanos que permaneceriam em sua vida por anos infindáveis, mesmo que tivessem partilhado da sua companhia física por efémeros momentos.
 
Oriundos dos mais sortidos lugares, praticantes das mais diferentes doutrinas, que a ensinaram, pouco a pouco, o sentido íntimo da palavra respeito e instigaram sua curiosidade acerca da vastidão do Universo.

Desta vez não poderia ser diferente.

Encontrara-os, por um “acaso” traçado pelos deuses, em uma estação de comboios na cidade de Lisboa.
 
O casal vindo de pagos além-mar, um tanto perdido, perguntara a que horas sairia o próximo transporte para o Porto.

Após uma breve apresentação viu-se, do pé para a mão, imersa em outro mundo, a beber dos mistérios de outra fé, de outras vivências, de outras perspectivas de vida dentre as tantas que já trazia na bagagem.

E também dava a conhecer, aos pouquitos, a fantástica e insólita história que escrevia ao andar por essas terras.

Com um certo desvelo pois, apesar de tudo, ela também era algo egoísta ao que tocava os seus pertences que, verdade seja dita, não a pertenciam de modo algum.

A ilusão que sempre tivera de ser senhora dos seus amores, sejam eles fruto ou não do seu próprio sangue, de querer estender as asas sobre o que lhe era mais caro e servir de escudo contra as amarguras plantadas pelo destino, sem perceber que a queda ensina a levantar.

Voltaram a se encontrar anos mais tarde, uma pandemia e uma guerra depois da primeira vez, muito embora nunca tenham deixado de entrançar o tento que os ligava.

Sentaram-se à mesma mesa e com o mesmo interesse de outrora, partilharam o entendimento que carregam do mundo circundante sem tentar convencer o outro das suas convicções, pois a Verdade é coisa quase inatingível aos homens. É preciso um desprendimento sobre-humano capaz de multifacetar a realidade e ver sob todos os ângulos dela, que aproximaria quem consegue de ser também divindade a inspirar o coração dos mortais.

Nas poucas horas que passaram reunidos ela mergulhou profundamente em assuntos que não dominava de todo, entre projetos arquitetónicos e pianos Fazioli, mas de modo algum se sentiu perdida, antes conduzida gentilmente, reiterando a convicção que tinha de que a experiência não está amarrada às rugas e sim à forma com que lidamos com o tempo a nós ofertado.

Ao fim do momento destinado a permanecer na companhia uns dos outros, se despediram, mas sem antes plantar a certeza de um novo reencontro.

Voltou para casa radiante e absolutamente grata por mais um cordão com que tricotava o manto de vivências que tecia e que seria o único agasalho que levaria dessa esfera para outra, se outra esfera existir.

Levou consigo mais uma passagem impressa nos anais da memória a ser deixada como legado para futuras gerações.

Deixou com os amigos o carinho e o largo sorriso com o qual convidou-os, num passado não tão distante, a adentrar o seu vasto paraíso interior.

Hasta la vista, paisanos, até a próxima crónica!

Maria Beck Pombo

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