Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares – Acalma-te, Pandora

Turistando Lendas e Lugares – Acalma-te, Pandora

Opinião | 6 Outubro 2021

Sentada no sofá, segurando a caixa de fotografias entre as pernas, ela conversava com a avó enquanto mergulhava no passado.

Empada, quindim e Chimarrão acompanhavam o momento e transformavam-se também em registo desse presente, para o amanhã.

Nas mãos dela as fotografias ganhavam movimento e tinham sua história narrada através da voz ofegante de quem busca apressadamente reviver o passado, pois o futuro já está próximo demais.

Naquela caixa, a conviver em perfeita harmonia, estavam versões jovens e antigas de todas as pessoas da família, de amigos que já se foram porque se despediram da vida. Da própria vida ou simplesmente da nossa vida, e isso é irrelevante pois a ausência é coisa independente de justificativa, apenas se dá.

Aquela caixa é abrigo e testemunha de tantos amores sepultados pelo tempo, que permaneceram vivos a estampar dedos entrelaçados, abraços e flores aos olhos de quem lembra de perscrutar seu interior, é palco de pealos, de descobertas, de banhos de lama, rio, mangueira.
 
É a maresia a provocar as lágrimas de quem viu o mar pela vez primeira, a testemunha silenciosa do pranto que deixara de ser secreto pela indiscrição de um flash.

É berço de gerações que dormem profundamente entre mantas e cantigas que cruzaram tempos e mundos entrançadas na cultura e na tradição.

É um livro sem palavras em que ecoa a frase: "e se?".

E se aquele casal não tivesse separado? E se aquele avô não tivesse partido? E se tivéssemos comido aquela pizza em outro lugar? E se, simplesmente, não tivéssemos registado aquele momento?

Essa caixa é testemunha da nossa liberdade de escolha e também de algumas peças pregadas pela vida, que faz sempre questão de nos mostrar que escolher não quer dizer controlar.

Naquela tarde, enquanto mantinha segura entre as pernas a história de dezenas de vidas que se entrelaçavam, ela garantia que haveria espaço para o testemunho do amor imenso que tem pela avó, já eternizado em tantas outras fotografias.

Livros e caixas fechadas não contam histórias!

Maria Beck Pombo

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