Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares – Aborrescência

Turistando Lendas e Lugares – Aborrescência

Opinião | 10 Maio 2024

 

Há muito tempo ela não visitava esse lugar, onde relata a sua própria vida, celebra a sua boa sorte e confessa os seus pecados.

Tempos difíceis os que ela tem passado, de superação de gigantes obstáculos que a obrigaram a aprender a abdicar, a deixar ir, a, depois de uma longa reabilitação, deixar de sentir a dor do membro que lhe fora arrancado desumanamente.

Não queria manchar as páginas nas quais sempre distribuiu alento, mas reconheceu que o silêncio não era a resposta, que tinha uma responsabilidade para com aqueles que a acompanhavam e que, no fundo, eram como filhos também.

E por muito que digam o contrário, para ela, abandonar um filho, jamais!

Observava a filha a brincar pelo quintal e o medo da sua adolescência se agigantava, oprimindo o seu coração e fazendo com que ele batesse cada vez mais rápido, até quase parar, como batem as asas de um beija-flor, mas sem a sua leveza.

Será que também ela lhe viraria as costas? Abdicaria da sua presença e do seu amor? Veria com perversidade no olhar todos os conselhos, como se todas as advertências constituíssem crítica e não cuidado?

Enquanto a guria girava sentindo o sol que lhe fazia reluzir os dourados cabelos e brilhar os seus olhos cor de avelã, ela remoía o receio de ter todas as promessas de eterno amor dissolvidas na ebulição das hormonas.

Pensava em mil maneiras de não desiludir a miúda, mesmo sabendo que, por mais que tentemos, nunca, em hipótese alguma, seremos suficientes para o outro, por mais que façamos tudo o que nos é possível, pois ao outro não falta o que vem de nós, e sim o que se perdeu dentro de si mesmo e a busca pela própria essência é bem mais dura que acreditar que se pode cobrir com a pele alheia.

Fitou o céu azul-celeste que pairava sobre a sua cabeça, olhou fixamente para as nuvens que se moviam e mudavam de forma sem deixar de ser nuvens, e percebeu que nada é para sempre, nem mesmo o desamor.

Esse é apenas uma máscara para esconder o amor ferido, que pode ser curado e (re)transformado, como nuvem que se transforma em chuva!

Maria Beck Pombo

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