Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares: Abaixo à Lobotomia!

Turistando Lendas e Lugares: Abaixo à Lobotomia!

Opinião | 23 Setembro 2020

Nós não queremos medicamentos que controlem os nossos picos de humor, que nos anestesiem, não!

Nós queremos melhorar, queremos ter controle sobre nós mesmos, sobre nossas ações e vontades.

Nós queremos ter vontade! Vontade de acordar, vontade de arranjar-nos, de limpar e organizar a casa, de ir trabalhar, vontade...

Nós queremos qualidade de vida e uma vida preenchida. Poder apostar no futuro sem ter medo que o distúrbio nos tire as rédeas das mãos.

Nós não queremos fazer isso mecanicamente, viver uma vida vazia e robótica. Sem ânimo ou sem desânimo, inerte e sem sabor.

Nós queremos sentir! Sim, precisamos que controlem nossos sentimentos pois isso é necessário para que não cheguemos ao exagero, mas queremos ser e não deixar de ser.

Não queremos simplesmente deixar de representar uma ameaça para nós mesmos ou para nossos mais próximos, nós queremos ser tratados como cidadãos, como humanos e ter direito a uma vida feliz.
 
E para que isso aconteça a medicina psiquiátrica não pode cair no arcaísmo, não pode parar no tempo. É mister que ela evolua, busque tratamentos modernos para que o doente psiquiátrico conquiste um lugar na sociedade que não em um canto qualquer com uma tarja a dizer: “Não se aproxime!”

Para que não constitua um incômodo, um embaraço...

Em tantos países essa reforma já foi feita, porque não ainda em Portugal?

Em tantos países os médicos já preocupam-se se os seus pacientes estão bem consigo mesmos, com seu corpo, com seus trabalhos, com seus relacionamentos.

E é o medicamento certo que proporciona tudo isso, além do autoconhecimento, é claro.

É o arriscar, o inovar, é ter empatia e assumir o compromisso de procurar que o paciente volte a sentir-se uma pessoa e não uma peça da mobília.

Porque é isso que um doente do foro psiquiátrico sente aqui em Portugal.

Durante quantos anos, por essas terras lusitanas que tanto amo, eu debati-me com meu distúrbio, passando de médico em médico, especialistas ou não e nenhum deles foi capaz de diagnosticar-me devidamente...

“— É uma depressão.” Diziam eles e para ela tratavam-me. E viam-me voar nas minhas crises de mania aceleradas pelos medicamentos que eles tão responsavelmente receitavam-me.

Viram-me gastar todo o meu dinheiro, meter-me em sarilhos desnecessários, pôr em jogo minha família e até a minha própria vida, mas eu tinha apenas uma depressão, todos concordavam.

Entretanto, antes que pusesse um fim a ela decidi procurar um médico estrangeiro que conseguiu enfim perceber o que tinha e trazer-me de volta a normalidade da vida.

Eu creio que já está na hora da Psiquiatria em Portugal perceber que está a trabalhar com humanos. Que podem até ser dementes mas continuam a ser humanos. Que quando não estão dementes têm desejos, sonhos, planos, aspirações.

Queremos deixar de ser marginalizados pois não escolhemos muitas vezes não ter controle sobre nossos atos quando seria tão fácil controlá-los, mas de uma forma saudável, sem tornar-nos incapazes, sem tornar-nos robôs, marionetas, resignados à inércia.

Esse é o meu apelo aos médicos psiquiatras de Portugal: tratem-nos com mais dedicação, com mais empatia, pois são médicos e sabem que não sofremos desse mal porque queremos, não é mesmo?

Ninguém acorda numa bela e fria manhã outonal e decide: “ Acho que está um lindo dia para tornar-me bipolar!”

Não! Muitos desses problemas são congênitos, são aquela herança amaldiçoada que recebemos e que provavelmente passaremos adiante pois ela, desafortunadamente, não se gasta!

Maria Beck Pombo

 


 

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