Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares – A vontade do tordilho

Turistando Lendas e Lugares – A vontade do tordilho

Opinião | 14 Julho 2021

 

Saltei da cama muy cedito e corri para o estábulo, na intenção de garantir ser a primeira a montar, naquela manhã.

A lida na estância começava ao raiar do dia, e nunca havia cavalos que chegassem para todos os primos, que eram, na altura, em número de onze. De qualquer forma, mesmo que houvesse, não era conveniente sair para o campo para tratar dos animais com todo aquele criaredo na cola.

Não é preciso dizer que eu não era uma das favoritas para a tarefa, já que fui criada na cidade e montar não era o meu forte, aliás, considerava um imenso desaforo fazer com que um animal carregasse o meu peso sobre o lombo, mas que gostava de passear sobre ele, isso eu não posso negar.

Seu Vitorino já tinha o cavalo encilhado quando cheguei, um tordilho branco enorme, que atendia pelo nome de Potrão.

Pus o pé no estribo e me icei para a sua garupa, toquei de leve, com os calcanhares, na sua barriga e falei ao seu ouvido:

— Levas-me passear? Prometo-te que podes ir onde quiseres!

E saímos do estábulo despacito.

O sol intenso da manhã iluminava a copa das árvores e fazia brilhar as folhas de modo a quase nos ofuscar o olhar. Havia uma brisa fresca, mas muito agradável, que trazia consigo o cheiro da terra orvalhada e marcava aquele momento na lembrança.

Então o cavalo, esperto barbaridade, mais que depressa deu a volta no estábulo, entrou pela porta frontal e parou junto ao cavalete, à espera de ser desencilhado.

Ri-me internamente da sua determinação, mas a vontade era tanta que insisti: meti-lhe os garrões nas virilhas, com delicadeza para não o magoar, e fiz com que ele cavalgasse para além da porteira que dava para a entrada da sede da estância.

Novamente frouxei as rédeas e convidei o meu possante companheiro para um passeio pelos pampas.

— Podes-me levar onde quiseres!

Disse eu, muito animada, na esperança de o convencer a me carregar consigo.

Ele abanou vigorosamente a cabeça e a inclinou para o lado, na tentativa de encontrar meu olhar, relinchou e deu de volta para o estábulo, muito devagar, a permitir que eu desfrutasse de cada passo dele sobre a relva, entrou pela porta frontal do recinto e parou, mais uma vez, junto ao cavalete à espera de ser desencilhado.

Eu, que sempre respeitei a vontade e inteligência dos animais, não levei por desaforo a recusa do tordilho em me transportar campo fora.

Despi-lhe dos arreios e mandei que cavalgasse, nu em pelo, para longe dali.

Dei as costas e me dirigi para a casa grande, é facto que um tanto aborrecida, quando tive a maior das surpresas: Potrão saiu do estábulo e se pôs a caminhar junto de mim, como quem me convidasse a passear lado a lado!

E assim o fizemos: demos a volta ao redor da casa e depois ele se despediu, fitando-me docemente e relinchando.

Essa experiência fantástica me deixou de presente uma preciosa lição: o facto de alguém não querer nos carregar sobre os ombros não significa que não queira a nossa companhia.

É tão melhor andarmos pelas nossas próprias pernas e ter reciprocidade do que subjugar aqueles que gostamos à nossa vontade.

Respeito é bom, e todo o Mundo gosta, até quem não entende de palavras.

 

Maira Beck Pombo

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