Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares – A vida que merecemos

Turistando Lendas e Lugares – A vida que merecemos

Opinião | 2 Dezembro 2020

Um dia escutei da boca de uma pessoa amiga que as pessoas merecem a vida que têm…

Não posso negar que a frase me causou algum desconforto inicialmente, pois não há quem seja perfeito no mundo e todos nós temos, certamente, arestas a aparar.

Cultivei muitas ervas daninhas ao longo da minha caminhada por essas terras ermas, muitas vezes esquecida por todos os deuses, mas isso faz parte de qualquer jornada.

Ficamos tão fascinados com a beleza das suas flores, mas somente quando a fome aperta é que percebemos que elas, além de envenenar, não enchem barriga.

Perdi amigos que nunca imaginei perder, amarguei a dor da derrota por tempos infindáveis, até conseguir perceber que eles se foram porque não faziam parte de mim, não dividiam a mesma energia, crenças ou opiniões. Não dividiam a mesma visão de mundo ou acerca do que é ou não admissível.

O fato é que me debrucei sobre o assunto e tentei ser meu próprio juiz, pesando na balança cega da justiça meus erros e acertos, ansiosa pelo saldo que daria.

Fui muito inconsequente nessa vida, desperdicei tanto capital, pus minha vida e saúde em risco vezes sem conta, magoei pessoas que eu gostava…

E para cada atitude supracitada tive o troco, colhi os seus frutos podres e comi-os sem satisfação.

Entristeci com a constatação de que não era merecedora dessa tal felicidade que todos juram existir.

Mas no meio dos meus devaneios ouvi a voz da Maria. Olhei para ela demoradamente, cada feição perfeita e harmoniosa, cada gesto, sua voz, seu sorriso...

E fui arrebatada por um sentimento de conforto que exigia de mim uma reavaliação!

Pois bem, cá está ela:

Passei por uma cirurgia que levou para o lixo metade do meu aparelho reprodutor.

Poderia ter sido um câncer, mas não foi. Poderia ter ficado estéril, mas não fiquei, conto isso como saldo positivo.

Quatro meses depois dessa cirurgia colossal, e para o espanto do médico que me havia operado, estava à espera do Sebastian, meu pirilampo verde piscante que veio ao mundo para iluminar a minha vida.

Belo física e espiritualmente, sensível, inteligente, maravilhoso!

Depois de muito apanhar da vida por culpa da minha ingenuidade, excesso de crença no ser humano e de otimismo, pus o pé no Caminho de Santiago (um sonho de longa data) e ao longo dele eu, pagã de carteirinha, fiz UM ÚNICO pedido a qualquer deus que me atendesse: um amor que não fosse perfeito, mas que fosse perfeito para mim...

Heis que bem ali, ao virar da esquina, encontrei o homem da minha vida! Alto, forte, lindo, extremamente rabugento e dono de um coração enorme, que me deu de presente a filha mais companheira do mundo e, de quebra, a honra que poder chamá-la pelo meu próprio nome.

O homem que fez de nós o centro do seu mundo e dedica-me toda a sua fidelidade e amor, aos quais retribuo de igual forma e mais além.

Tive uma cerimónia de casamento que faria inveja a qualquer princesa: saído de um conto de fadas e repleto de amigos vindos dos mais longínquos rincões. Foi-me oferecido assim, de presente, por completos estranhos e sem que exigissem pagamento algum em troca, apenas a troca das nossas alianças em frente ao Mosteiro de Leça do Balio, sob os olhares dos nossos convidados e das centenas de pessoas que adentraram a feira medieval.

Tenho tanta gente boa ao meu redor, amigos leais, uma família que amo e que me ama, pessoas que admiro com todo o meu ser e que creem em mim e no que sou capaz de fazer.

Amo o meu trabalho, amo poder escrever aquilo que me vai na alma para os meus leitores e para quem quero bem.

Tenho meu próprio rancho, pequenino, mas do tamanho perfeito para a nossa família.

E enquanto eu enumerava para mim mesma todas essas conquistas, cuidando para não esquecer de nenhuma fui enchendo-me de orgulho, mas não daquele orgulho recheado de soberba que enfeitiça os fracos fazendo-os sentir superiores. Fui preenchendo-me de um orgulho humilde e agradecido que têm aqueles que percebem que fizeram a sua parte, aquele orgulho e aceitação singela que transforma todas essas palavras em um mantra.

Ainda que eu tenha de repetir esse mantra centenas de vezes enquanto a chuva cair pesada em minhas costas e o crepúsculo cobrir de negro meu caminho, de cabeça erguida, vou pensar e gritar bem alto estas palavras:

Sim senhor, eu tenho a vida que mereço. Obrigada!

 

Maria Beck Pombo

 

 

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