Ela mirava, com o olhar atento, o céu turvo e relampejante através da janela do avião, enquanto segurava firme na mão da filha e a acalmava a dizer: “Tudo está bem.”
O vento sacudia a aeronave com uma violência tão inesperada quanto o próprio destino que a aguardava. Cada tranco era uma promessa de fim, e o pânico se alastrava, enquanto ela, mentalmente, indagava a si mesma: “E se não chegar?”.
Os minutos viraram séculos de espera agonizante, a pedir à Iansã, dona do raio e dos ventos, que permitisse um pouso seguro.
Os passageiros desesperavam, enquanto ela tentava administrar o medo da filha e o seu próprio receio de ser aquela a sua derradeira viagem.
Por fim, o avião aterrou, e Ela, a tremer de alívio e gratidão, foi uma das últimas a sair, como se o tão almejado solo gaúcho, constituísse o verdadeiro Paraíso.
Mas, rapidamente, a alegria deu lugar à frustração, ao chegar em sua casa e ver que a promessa de um lar acolhedor se desfazia diante da cena de paredes inacabadas e outros percalços que a tornavam imediatamente inabitável, uma recepção nada simpática para quem volvia ao pago após 18 intermináveis anos de ausência.
Mas, como habitualmente, o Universo conspirava a seu favor e, entendendo que a vida tem o seu próprio compasso, a espera deu espaço à nostalgia, à saudade do marido que precisava se ajustar a um novo cenário.
E foi então que, ao lado dos velhos amigos de infância, Ela adquiriu a força para preparar o ninho para que o amor pudesse prosperar.
Aos poucos, a casa vazia ganhou vida e preencheu-se de júbilo e esperança. Encontrou no conforto do reencontro com a família e amigos a verdadeira medida do tempo que sabia que correria depressa para que brevemente pudesse estar nos braços do seu amado marinheiro.
Ela sentiu a calmaria invadir-lhe o espírito, uma leveza que há muito tempo não experimentava depois de tantas tormentas e tempestades.
Da longa e turbulenta viagem, até o desconsolo da chegada, tudo agora cedia espaço à gratidão.
Tinha o coração em êxtase por ver a felicidade estampada no rosto da filha, rodeada de pessoas que, com o mesmo carinho de outrora, a acolhiam, deixando claro que todos os passos errantes, todas as noites insone, todas as batalhas perdidas finalmente valeram a pena.
Agradeceu em silêncio à família e aos amigos, aos de lá e aos de cá, por terem tornado possível o seu retorno, pois todos os preparativos para a sua volta se realizaram através das suas mãos.
Após alguns dias da sua chegada, a tranquilidade e a natureza circundante amenizavam a saudade e traziam a certeza de um futuro próspero e feliz e de que toda a mudança é necessária para encerrar ciclos. Mas não a mudança de lugar, e sim aquela que ocorre de dentro para fora e permite florescer a nossa essência.
Ela sorriu, fitando o verde que se espalhava pelo quintal e enchia os seus olhos através da janela da cozinha.
Encerrado estava o capítulo final de um livro escrito a duras penas. Outro livro começava a ser escrito para contar histórias de um futuro promissor.
A mudança é a carruagem da Esperança!
Maria Beck Pombo, escritora