Anda cá, amor, dança esse tango comigo, que não há pior tragédia que esperar pelo fim sentado!
Pega-me pela mão e me conduz até o centro do salão, até a berlinda, à vista de todos os olhares.
Me balança ao ritmo dos sons que ecoam do passado e embalam meus ouvidos quando o silêncio invade nosso quarto.
Lembras, amor, como eram felizes aqueles dias? Quando o Caminho era todo terreno fértil para amores-perfeitos e sempre-vivas? Quando cada pedra era apenas mais um pretexto para a demora, para mais um beijo, para mais uma jura que ali ficaria plantada pela eternidade…
Recordas, amor, do meu espanhol desajeitado aquando te perdias dentro de ti mesmo? Da minha curiosidade insolente em espreitar teus mais secretos pensamentos? Da nossa sede em saber até onde iríamos de mãos dadas e em ignorar que a vida poderia, a qualquer instante, nos roubar os remos?
Já olvidaste, amor, da época em que tudo era motivo para riso, até mesmo as lágrimas? E o mundo todo cabia dentro de uma mochila. Quando sabíamos perfeitamente o que era necessário e o que poderia ser deixado para trás, sem temer que um dia nos faltasse?
Anda cá, amor, que o amor também desaprende a dançar. Desaprende a amar se dele nos deixarmos afastar.
Amar é verbo tão difícil de conjugar só, já que, faminto, exige ao menos dois sujeitos!
Anda daí, amor, me agarra pela cintura, me aperta junto ao teu peito e deixa-me ouvir o mar ou a sentença, que meu coração ainda é palco à espera de Shakespeare, é colombina que aguarda o Carnaval.
Deixa-me partilhar da insolência dos Homens e fazer calar os astros, os búzios, as cartas, os deuses, que meu fado componho eu, não me foi entregue selado para que eu apenas lhe emprestasse a voz!
Segura-me no teu abraço e deixa que eu me rebele tal como as ondas que beijam a areia, exatamente como esperam que o façam todas as filhas da Mãe, senhoras da inconstância, do orgulho e da vontade.
Dá-me a tua mão que eu abdico do luto e das advertências, e escolho a ti mil vezes, meu erro mais querido.
Acertemos o passo e o ritmo que eu me visto, novamente, de branco.
Dança comigo esse tango e então navega para longe de mim, ou fica e sela o acordo ao me fazer companhia naquela valsa que ficou presa no tempo, entre um mosteiro e uma fogueira.
Não há maior bênção que a de poder crer que os deuses também se enganam!
Maria Beck Pombo