Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares – A última vez que te vi

Turistando Lendas e Lugares – A última vez que te vi

Opinião | 26 Julho 2022

 

A última vez que te vi estranhei o avançar do tempo, que baloiçava veloz sobre ti e te nublava, prematuramente, a cor dos cabelos.

Surpreendeu-me a naturalidade com que conversamos sobre as trivialidades da vida, descongelando o meu coração com a iniciativa serena de te aproximar do meu caminho e me prometer uma visita no rancho que construí em além-mar.

Se eu soubesse que seria aquele o último momento que dividiríamos talvez tivesse te convidado para um café e te indagaria sobre as coisas da família, sobre as histórias que nunca ninguém me contou, sobre os momentos que não vivi ao vosso lado.

Talvez eu pudesse conhecer a tua essência e esse coração gigante que todos afirmam carregar. A gentileza e a nobreza dos teus atos, ignoradas pela imagem distorcida que eu carregava pelas mágoas infantis plantadas em meu peito por mãos que não foram as tuas.

Da última vez que estivemos um na companhia do outro éramos dois estranhos, ligados unicamente pelo sangue, a cruzar repetidamente o trilho um do outro, sistematicamente a oferecer cordialidade no lugar de afeto.

Talvez, se tivesse te visto não apenas enxergado, esse pesar que abraça o meu coração, ditado pela consanguinidade, não pela convivência, tivesse outro nome: saudade e não ausência.

Se eu pudesse imaginar que aquela seria a última vez que te via, talvez tivesse te abraçado ainda mais forte do que abracei, e confessado, como quem confessa um crime, aos teus ouvidos, que o que me fez afastar foi a vontade de fazer parte, que cortava minha alma com o fio de mil adagas toda a vez que encontrava o aviso de “não perturbe” à porta que não era a tua.

Depois de te conhecer, irremediavelmente tarde, através de olhos alheios aos meus, meu ser se cobriu de tristeza ao compreender que aquela fora a última vez que te via.

Não te desejo paz pois sei que já a encontraste. A paz é coisa almejada pelos vivos que insistem em encontrar o rumo e o sentido dessa vida, sem compreender que todos a teremos no seu devido momento.

Desejo que tão somente descanses na eternidade, que eterno é todo aquele cujas lembranças perduram na memória dos homens e, sem sombra de dúvida, deixaste tua marca que permanecerá gravada nas histórias sobre ti, que ecoarão através das vozes dos que te amam, ao longo das gerações.

Maria Beck Pombo

 

 

 

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