Fazia uma morna e agradável noite de verão.
No quintal de casa a brisa soprava e reavivava as brasas na churrasqueira, tornando fácil o papel do assador.
Dentro da pequena casa a mãe preparava a salada que acompanharia o assado e avistava, através da janela, o espaço exterior, de olhos e ouvidos bem atentos à cena que se desenrolava, esforçando-se ao máximo para não cair de costas a gargalhar.
Os protagonistas eram pai e filha, que, com um ar muito satisfeito, interpela o genitor que contemplava distraidamente o encarnado incandescente do carvão e diz:
- Sabes, pai, quando eu e o mano fizermos dezoito anos, vamos ganhar uma grande prenda de aniversário!
- Ah, sim?
Indaga o pai, com um ar muito curioso, sem poder imaginar que regalo tão fabuloso seria esse.
- É verdade, a mamã prometeu que nos dará a Chave de Todos os Palavrões! E tem mais: ela prometeu inclusive que, nessa altura, nos ensinará uma porção deles, em diversas línguas! Mas ela só fará isso com a condição de nos portarmos bem e termos tento na língua até lá.
Parou por alguns momentos a contabilizar o tempo e prosseguiu:
- Bom, sendo assim o mano vai ganhar essa prenda antes de mim, pois que ele é seis anos mais velho… e já que eu tenho sete anos e preciso esperar até os dezoito…
Contou nos pequenos dedinhos e concluiu:
- Então só me faltam onze para poder dizer tudo aquilo que eu quiser!
A perspetiva de receber a sua chave apenas após mais de uma década fê-la perder momentaneamente o entusiasmo, entretanto repentinamente teve um lampejo que a impeliu a correr em direção à cozinha, em busca da mãe, que a essa altura abafava o riso entre as palmas das mãos, e exclama, orgulhosíssima da sua grande descoberta:
- Mãe, já sei para que serve a matemática! Para contar o tempo que vamos levar para receber a Chave dos Palavrões!
Curioso perceber que, para uma criança, a chave para resolver todos os Mistérios do Mundo não é nada quando comparada à promessa maravilhosa e tentadora de se expressar livremente, com a bênção da mãe!
Maria Beck Pombo
