Voz da Póvoa
 
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T L e L: Quando o mar não está para peixe, sereia vira mulher!

T L e L: Quando o mar não está para peixe, sereia vira mulher!

Opinião | 24 Maio 2022

A onda quebrou violenta sobre a menina-sereia que sonhava alcançar a lua, à beira-mar, revelando que ela ainda possuía pernas.

Enterrando profundamente os seus sonhos na areia e encharcado sua alma de incertezas, obrigando a questionar se, afinal, terra ou mar era o seu lugar.

Enrolada na corrente de retorno, não podia separar água de areia, afogava-se nos pensamentos e na batalha entre o crer e o resignar.

Na sua mente o mundo se traduzia em números, somas, divisões, operações matemáticas de difícil resolução, onde o resultado era sempre negativo.

Anestesiara-se, por momentos, e apertava junto aos dedos, os anéis.

Deixou-se ir, levada pelas ondas, derrotada pela objetividade do mundo, crente que nele não há espaço para princesas desprovidas de coroa.

De que valem os berços de ouro quando se é apartado da corte? Quando se desconhece as necessidades do gado, quando se abdica de pôr a mão no arado para o plantio e se ignora, sistematicamente e por pura negligência, que plantamos grãos, não prata e que, principalmente, é a colheita desse grão que nos faz cair a plata “do céu”.

Imersa nesse ambiente de auto-comiseração lembrou da família, daqueles que dependem da força dela para edificar a sua própria e se pôs a nadar de volta para a costa.

Ajoelhou-se na areia e chorou a vergonha de nunca ter-se interessado em tomar as rédeas do próprio destino, evitando a labuta de tomar conta dele, sendo por décadas a menina mimada que se recusava a crescer.

Mas se preciso for levarem os seus anéis que lhe levem também os seus fantasmas, deixai-lhe as mãos habilidosas com as quais lhe regalaram os deuses, para que, com os dedos nus, ela possa reconstruir os seus castelos.

Sereia só se afoga no mar quando esquece de segurar firme na mão da Mãe e caminhar, pelos próprios pés, sobre as vagas!

 

Maria Beck Pombo

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