Voz da Póvoa
 
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Só nos resta sair do banho

Só nos resta sair do banho

Opinião | 16 Agosto 2025

 

Quando converso com amigos de outras partes do país sobre política poveira, todos descrevem a nossa terra como sendo conservadora, principalmente pelo facto de os poveiros, ao nível da política local, apenas terem confiado os destinos do concelho a dois partidos de direita – o que destoa um pouco das restantes comunidades piscatórias do país. Deveria mesmo existir um estudo sociológico para perceber se, de facto, os sentidos de voto são tão diferentes na fronteira invisível entre a nossa Rua 31 de Janeiro e a Rua Alfredo Bastos, nas Caxinas.
 
Podem também dizer que as zonas mais conservadoras do concelho são as freguesias mais distantes da cidade, como a Estela, Laúndos, Rates ou Balasar. Mas a verdade é que, um pouco por todo o país, encontramos comunidades idênticas do ponto de vista sociodemográfico que votam no espectro oposto. Será que votar no espectro oposto faz dessas regiões do país menos conservadoras? Não me parece.

As nossas opções políticas são mais emocionais do que possamos gostar de acreditar. Se seguirmos a teoria de Michael Oakeshott, no seu célebre ensaio On Being Conservative, verificamos que, para este autor inglês, ser conservador (ou progressista, por oposição) é bem mais do que uma ideologia, bem mais do que um pensamento racional estruturado — é antes uma predisposição temperamental. Ser conservador é, portanto, preferir o certo ao incerto, o familiar ao desconhecido, o que já foi tentado ao que ainda não foi feito, a realidade dos factos ao mistério da novidade.

João Pereira Coutinho, renomado conservador da nossa praça, diz mesmo que um conservador, quando confrontado com qualquer ideia de mudança à ordem imposta, coloca sempre a mesma questão: «Porquê?». Os conservadores adotam uma postura de dar um passo atrás perante a novidade, enquanto os progressistas acrescentam um advérbio de negação quando confrontados com algo de novo e formulam a questão central da modernidade: «Porque não?». E isto não tem nada a ver com a dicotomia esquerda/direita. Estou plenamente convencido de que existem conservadores de esquerda e progressistas de direita.

Voltando à Póvoa: somos ou não somos uma terra conservadora? Sim, somos. Mas podemos sempre questionar se um pescador de Matosinhos que vote sempre no PS é menos conservador do que o poveiro que votou sempre no PSD.

Santos Graça descreve bastante bem um povo com tradições únicas, com uma forma de comunicar, com costumes e com uma jurisdição própria. Este povo é, sem dúvida nenhuma, geneticamente conservador. E, nas suas contradições típicas, também berço de notáveis progressistas, com Eça de Queiroz à cabeça.

Creio que foi Miguel Esteves Cardoso quem, uma vez, disse que um conservador era como uma criança na hora do banho: chorava para entrar no banho e depois também chorava para sair. Os poveiros são precisamente assim. Desconfiam da mudança, mas depois entranham-na e abraçam-na de forma profunda. Os poveiros preferem sempre uma mudança tranquila, sem grandes ruturas ou sobressaltos. 

A mudança tranquila nem sempre está naqueles em quem sempre confiamos. Por vezes, está na alternativa. Caso contrário, não seria uma mudança — seria apenas continuar no banho. 
Um banho onde a água já está mais fria do que a do nosso mar. Quase tão suja como uma fossa. E sem qualquer espuma que traga ao debate uma ideia, uma novidade, um sopro de imaginação.
Só nos resta sair do banho.

Gonçalo Angeiras

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