Em 1896 Ramalho Ortigão, “crítico e publicista insigne” como se dizia na época, numa das suas deambulações pelo país, visitou Barcelos. Foi acompanhado pelo meu avô materno João Carlos Cruz, jornalista, conhecedor e entusiasta de tudo quanto respeitasse à sua terra natal.
Segundo a narrativa familiar os dois foram almoçar ao mais conhecido restaurante da terra e Ramalho Ortigão terá ficado encantado com um singelo paliteiro de barro colorido, ao tempo palamenta indispensável à mesa de qualquer restaurante popular. Bem almoçado Ramalho terá feito menção de discretamente se apropriar do paliteiro. João Cruz receoso do dano reputacional que o gesto do “publicista” lhe poderia causar, com toda a diplomacia de que foi capaz, procurou demovê-lo do intento o que a algum custo acabou por conseguir.
Poucos dias após a visita João Cruz tratou de reunir junto de habilidosos oleiros das aldeias de Barcelos uma colecção daqueles objectos modelados em barro colorido que remeteu para a residência do “crítico” no número 30 da Calçada dos Caetanos em Lisboa.
A resposta não tardou. “Lisboa,31 de Outubro de 1896
Exmo. Sr. João Carlos Coelho da Cruz:Recebi e muito lhe agradeço, a interessante colecção de paliteiros que teve a amabilidade de me enviar. A ingenuidade do fabrico desta peça dá-lhes um ar arcaico de produtos Bizantinos. A manifesta influência do Chafariz de Vilar de Figos no agrupamento dos pombos formando uma espécie de capitel em alguns dos paliteiros é prova de que não se perde nunca a influência de uma obra de arte na educação estética do povo, ainda entre as classes que mais nos parecem a essa espécie de sugestão.
Peço-lhe que com os meus agradecimentos aceite os protestos de estima do seu Obrigado amigo,
Ramalho Ortigão”
Contudo o insigne crítico e publicista não conhecia o chafariz que era na realidade encimado por pelicanos que os ingénuos oleiros transformaram em pombos!
João Sousa Lima – 25-06-2022
