Voz da Póvoa
 
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Que inveja!

Que inveja!

Opinião | 3 Setembro 2025

 

Dito e redito: inveja, última palavra de Os Lusíadas. Pecado capital que, além dos outros seis, papagueados mecanicamente, de que sabíamos também os seus antídotos; contra a luxúria, castidade, contra a preguiça, diligência, contra a gula, temperança, corriam os tempos da catequese, da doutrina, palavra mais popular, mais de acordo com o léxico aldeão.

A que propósito trago aqui este pecado? Porque o Pitum, arquitecto Keil do Amaral, apresentou mais um livro, Ah! As Belas Intenções! na sala da editora Alma Letra, tão bem composta  dum público interessado em ouvir as suas histórias, cheias de sarcástico humor negro. Regina Guimarães, de que quem conhecia apenas o nome, teceu considerações que enquadraram bem o autor e o livro.

Já nas intervenções do público fui desafiado pela Sandra Barreiras, da editora, a pronunciar-me sobre o livro de que apenas tinha lido o prefácio. O título desta crónica foi o mote porque: “Entre os amigos dos meus pais contavam-se pintores, escultores, arquite(c)tos, músicos e escritores. Era frequente encontrarem-se e conviverem, por exemplo, nas férias de verão, perto de Lisboa, ou na casa da nossa família, na Beira Alta.

Nessas ocasiões, estive muito perto de pessoas ilustres, como José Rodrigues Miguéis, Bento de Jesus Caraça, Fernando Lopes Graça, Mário Dionísio, José Gomes Ferreira, João José Cochofel, José Fernandes Fafe, Carlos de Oliveira e Manuel Mendes.

Embora de uma geração mais velha, o próprio Aquilino Ribeiro visitava-nos na Beira, acompanhado pelo pintor Abel Manta.

Mais familiarmente, convivi ainda com as escritoras Ilse Losa e Irene Lisboa. Esta última, que eu admirava muito, chegou a levar-me a passar alguns dias na casinha rústica onde escreveu as suas Crónicas da Serra, em Aldeias, perto de Gouveia, na Serra da Estrela.”

Vai longa a transcrição mas é elucidativa sobre o ambiente político-cultural em que cresceu o Pitum a que ajudava, muito, os pais, o arquitecto Keil do Amaral e a mãe, a pintora Maria Keil.

A mulher do Pitum, Lira Amaral, tive a oportunidade de conhecer na Escola Secundária de Nelas, e foi o princípio duma amizade que muito me enriqueceu, também pelos encontros culturais que as Casas do Visconde organizavam. Conheci pessoas que não me seria possível doutro modo”.

Inveja porquê? Eu também conheci toda aquela gente, pela música – Lopes Graça e as Heroicas; pelo que me chegou da história e suas conferências, refiro o grande matemático Bento de Jesus Caraça; pela pintura, Abel Manta, com museu em Gouveia, que visitei em viagem ciclo-turística. Dos grandes escritores citados, do século vinte, como esquecer Carlos de Oliveira e Uma Abelha na Chuva que deu filme, José Rodrigues Miguéis, Nikalai, Nikalai, José Gomes Ferreira com obra vasta e quase toda lida e de que destaco A Memória das Palavras e o Gosto de Falar de Mim, Manuel Mendes e o Novo livro do bairro…

De Mário Dionísio tenho livro de contos O dia cinzento e de José Fernandes Fafe que foi embaixador em Havana e lhe deu ambiente para escrever sobre Ernesto Che Guevara – Homem do séc XIX ou do séc. XXI e também Fidel.

Não tão conhecidas, Ilse Losa, refugiada judia alemã fugida do nazismo que recorda em O Mundo em que Vivi; Irene Lisboa, Solidão II; também o grande Aquilino que tantas e tão boas memórias me traz. Andam faunos pelos bosques, Quando os lobos uivam este assinado a esferográfica vermelha…

Estará explicada a minha tão grande inveja?

 

Abílio Travessas

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