Regresso a um dos filmes que não me desapareceram no olvido dos tempos – “o tempo pergunta ao tempo quanto tempo o tempo tem…” Da terra nascem os homens, título, feliz, Big Country no original. Duas culturas em confronto, bem definidas em personagens fortes: Burl Yves, Rufus Hannassey, Charles Bickfort, Major H Terril, e Gregory Peck dando corpo e personalidade a um capitão da marinha mercante, vindo da costa leste, civilizada, para casar no Wild, Wild Oeste com a herdeira do terratenente. Confronta-se com valores diferentes, habituados a ver no oeste americano, mas que não são parte do seu estar: doma um cavalo, em privado, depois de se recusar a montá-lo com assistência expectante do fracasso; aventura-se nas imensas pradarias guiado por bússola – modernidade não conhecida – considerado perdido e aparecido contra as expectativas, recusa o confronto físico com o capataz do major, interpretação de Charlton Heston, frustração, mais uma, da noiva…
Duas mulheres , em oposição, compõem o drama que termina com o duelo final, não ao modo clássico hollyoudiano e com a morte dos dois homens, rudes mas muito diferentes.
A realização deste filme a preto e branco da década de 50 é de Willian Willer que também nos deu Ben Hur, Monte dos Vendavais, O Coleccionador, incursão no mundo alucinado dum homem que acaba a raptar uma jovem, mais uma borboleta.
Vamos ao livro, Guiné Os oficiais milicianos e o 25 de Abril. Foi apresentado no âmbito das comemorações do 90º aniversário do Palácio da Justiça de Coimbra, do 50º aniversário do 25 de Abril e do 95º aniversário de Zeca Afonso, no Salão Nobre do Tribunal da Relação de Coimbra; obra colectiva, edição da Âncora Editora, e com a participação do Advocal – Coro do Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados e do Fadvocal, que homenagearam Zeca Afonso, com agrado dos presentes.
O contributo dos oficiais milicianos para a formação do MFA – Movimento das Forças Armadas – na Guiné ainda não tinha visto registado em livro e é de importância primordial para a história do movimento revolucionário.
O Amaro Jorge, velho amigo coimbrão das artes do futebol e do direito, deu-me notícia do lançamento. Não só a temática me aliciava, também fui oficial miliciano sem ter feito a guerra nas colónias, os amigos que ia rever dos tempos da crise académica de 1969. Crise que levou 47 estudantes, os mais activos, a incorporação retaliativa. No jantar juntámo-nos e as recordações apareceram no regresso a tempos que transformaram o nosso devir, não apenas colectivo.
Dos presentes eram-me familiares, além do Amaro Jorge, o José Manuel Correia Pinto, um pouco mais velho e contemporâneo de Lucas Pires, da direita estudantil, e o Celso Cruzeiro, um dos líderes de 69, a par de Alberto Martins e Osvaldo Castro, colegas do curso de direito de 63/64.
Dos diversos depoimentos do livro, é-me particularmente impressivo o de Álvaro Marques, que tive o prazer de ter ao meu lado no jantar. Numa reunião presidida por Spínola, na Guiné, este oficial miliciano ousou questioná-lo sobre a política de defesa subliminar da via neocolonial que não tinha quaisquer condições para ser implementada, face à situação militar, política, económica e social da Guiné, nomeadamente, o poder militar do PAIGC.
“Depois de me ter identificado, disse-me: Sr Alferes tem a palavra”.
Álvaro Marques contestou a visão neocolonialista do general e rematou: “Sr General, face ao quadro que sucintamente expus, a única via para se resolver esta guerra será a das partes beligerantes sentarem-se à mesma mesa e negociarem a solução para a paz”!
“A resposta do General Spínola foi de grande violência verbal, insinuando que isso seria uma traição à Pátria (por momentos pensei que ia ordenar a minha prisão) ”
“A reunião terminou e quando eu e os demais oficiais milicianos descemos para sairmos cruzei-me com o grupo dos oficiais do quadro. Qual o meu espanto quando dois deles, majores, me fizeram um esgar de assentimento com o olho.!”
Sinal de que o cansaço da guerra e o seu desfecho era patente, já, entre os oficiais do quadro.
Espero ter aguçado a curiosidade para a leitura do livro e sua importância para o desenrolar dos acontecimentos subsequentes.
Abílio Travessas