Voz da Póvoa
 
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Os tarequeiros na minha infância/adolescência

Os tarequeiros na minha infância/adolescência

Opinião | 28 Novembro 2020

Tarequeiros, homens que acompanharam a minha infância e de quem guardo recordações. Tempos em que a grande maioria cozinhava na lareira, o fogão a lenha chega mais tarde para as famílias mais abastadas. Todas a necessitarem da pinha para melhor “acender o lume”, a lenha o combustível utilizado: uns a comprá-la na serração, os mais pobres, nas pequenas carroças, a procurá-la nas matas das freguesias do interior, contribuindo para a sua limpeza. Reprimidos pela GNR, as imagens perduram na perseguição sobre os mais fracos; vejo-os a serem parados no trote a acompanhar o cavalinho, na estrada municipal que levava ao mar, separando o largo da Igreja das casas do médico, abrasileirada, do lavrador, recentemente de cara nova e bonita, do merceeiro, azulejo verde, e do padeiro, agora abandonada.
 
Quem abastecia as “lojas”, de mercearia e vinhos, que as revendiam aos fregueses, as tão procuradas pinhas? Os tarequeiros, acima relembrados, vinham pela tardinha, no Inverno, carroças puxadas por burros (ou pequenos cavalos, não tenho a certeza) traziam pinhas de pinheiro bravo para as freguesias mais ricas, do litoral, como Aver-o-Mar; pelo menos a “parte de cima”, o cruzeiro a marcar a “fronteira” com a “parte de baixo”, maioritariamente de pescadores ou pescadores seareiros.

Meu pai pagava os centos de pinhas, não faço ideia do preço, baixo com certeza e, no dia seguinte, com o meu irmão António, contávamos as pinhas, duas em cada mão, às 25, uma pinha de lado marcava o cento. Não recordo qualquer queixa do meu pai pela quantidade paga. Pelo Natal, esperávamos as pinhas mansas que nos traziam; abertas ao lume para largarem os pinhões, usados nas noites de consoada, Natal, Ano Novo e Reis, para o jogo do Rapa-Tira-Deixa-Põe.

As pinhas verdes, fechadas, picos acerados nas mãos nuas mas algo calejadas, eram depositadas nos baixos da casa, acrescentada ao núcleo inicial, com cozinha, raro, no 1º andar, forno de lenha para o pão, coisa ainda mais invulgar. Nunca usada nos tempos que lá vivi. Aí ficavam até o sol estival começar a aquecer os dias, tempo de, em gigas, as levarmos para o terraço, construído com o dinheiro da venda do pinhão.

Para o terraço subiam-se dois lanços de escada, que aproveitava para exercitar os músculos, gigas cheias de pinhas aos ombros. Estendidas ao sol começava pela tarde a sinfonia dos estalidos das pinhas a abrir. O fim da tarde trazia outra música: duas a duas as pinhas eram batidas para largarem os pinhões renitentes. Terminava o dia com o ensacar dos pinhões, sacos de serapilheira. Vendidos a bom preço, valor acrescentado e aumentado com o varejo (venda a retalho, reminiscência do léxico trazido pelo meu pai do Brasil) das pinhas, adquiridas aos meios centos pelos fregueses que vinham munidos de sacos de serapilheira para o transporte.

Abílio Travessas

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