Domingo, 27 de outubro de 1985. Foi há 40 anos o primeiro relato integral de futebol, numa rádio poveira. Varzim – Gil Vicente, na Rádio Onda Verde. Jogo da 6ª jornada, da 2ª Divisão (Zona Norte).
Vivia-se o advento das chamadas Rádio Piratas (sempre gostei mais de lhes chamar Rádios Locais). Eu tinha um programa de música portuguesa, intitulado Luso-Musical que durou pouco tempo na Rádio Onda Verde. O tirocínio da estação teve lugar no sótão da já extinta Sapataria Soares, na Rua da Igreja, no Bairro da Matriz. Começou por chamar-se “Rádio Improviso” (semântica apropriada para as condições dos estúdios e grelha de programas), passando depois a Rádio Onda Verde, fundada por Rui Soares, João Costa e Silva, Júlio Guerra e Domingos de Sousa. O crescimento da rádio obrigou à mudança de instalações para uma moradia inacabada no Bairro da Mariadeira, onde se manteve até ao final de 1985, altura em que se transferiu para uma loja situada no Centro Comercial Premar, no início da Avenida Mouzinho de Albuquerque.
O crescimento da Rádio Onda Verde era diretamente proporcional ao impacto que gerava na população poveira. Um fenómeno de sucesso com aumento exponencial de audiências e receitas com os anúncios publicitários e as cotas da, entretanto criada, Liga dos Amigos da Rádio, na esteira de um modelo que há muito existia na Rádio Renascença. E é aqui que nasce a ideia do primeiro relato! A meio do mês de outubro de 1985, o Rui Soares, sabendo da minha paixão por relatos e ligação ao futebol como atleta das camadas jovens do Varzim e adepto indefetível do clube, disse-me ter sido abordado por comerciantes da Rua da Junqueira dispostos a patrocinar a transmissão em direto dos jogos do Varzim. Ou seja, já havia receitas publicitárias garantidas, mas faltava quem fizesse os relatos…
Perante este quadro, o Rui desafiou-me e eu aceitei! Os meios técnicos estavam garantidos porque tinha havido uma prova concelhia de ciclismo que resultou… Os mesmos aparelhos iriam ser usados, em direto, no estádio. Ficou combinado que a estreia seria no primeiro jogo em casa do Varzim, depois daquela conversa.
Lembro-me que no fim-de-semana anterior ao jogo, ouvi a tarde desportiva das rádios nacionais para tentar aprender algumas técnicas de narração. Foram dias de muita ansiedade. Eu tinha 17 anos e estava quase a estrear-me no mesmo camarote do estádio onde em criança nascera o meu fascínio pelos relatos de futebol…
O início da paixão
Comecei a assistir aos jogos do Varzim SC, a meio da década de 70. O meu pai era o correspondente do JN na Póvoa e aos domingos levava-me pela mão para a cabina de imprensa, onde nos encontros mais importantes marcava presença um relator da rádio que me chamava a atenção. Depois dos jogos, durante o trajeto para casa, ouvia no carro os comentários finais. A reportagem radiofónica do futebol encantava-me, e em casa, durante a semana, tentava imitar as vozes, a intensidade e a cadência dos relatos dos narradores profissionais. Fazia relatos no meu quarto, simulando jogos com os cromos da primeira caderneta que colecionei, “Caricaturas dos Jogadores de Futebol da 1ª divisão”, da época de 1976/77.
É essa temporada desportiva que desperta o meu entusiasmo pelos relatos de futebol. O que via e ouvia no estádio do Varzim ao domingo fomentou o gosto e o interesse pelas áreas que me predestinaram: o jornalismo e o relato de futebol. Chegava ao estádio e sabia de cor os nomes dos jogadores e em especial os 14 que constavam nas duas páginas dedicadas ao Varzim na coleção das Caricaturas. Eram os nomes da equipa que na época anterior tinha sido campeã da 2ª divisão: Fonseca, Freitas, Lima Pereira, Quim, Artur, Leopoldo, Manafá, Cacheira, Ruben, José Manuel, Montóia, Marco Aurélio, Praia e Horácio. O treinador era António Teixeira. Na época de 1976/77, o Varzim tinha outros jogadores como Albino, Jarbas, Festas, Eliseu, Washington e João, mas que ainda não constavam na caderneta.
O dia do primeiro relato
O dia 27 de outubro de 1985 chegou e, ao fim da manhã, comuniquei ao meu pai que iria fazer o relato do Varzim-Gil Vicente na Rádio Onda Verde. Feliz a ideia de partilhar com ele o acontecimento porque me deu uma ótima sugestão: convidar um comentador para enriquecer o conteúdo da transmissão. O Chico Laranja era nosso vizinho na Avenida Mouzinho e tinha sido meu treinador no Varzim. Foi o nome alvitrado porque bastaria atravessar a rua para formular o convite. Dito e feito! Era domingo, e recordo-me que o Chico Laranja me abriu a porta de casa com a espuma de barba na cara e uma toalha enrolada no corpo para me atender. Tinha tido jogo da equipa de juvenis do Varzim e ia entrar para o banho. Convidei-o para ser o meu comentador. Ele não só aceitou o repto, como compareceu à hora marcada, no camarote de imprensa, vestido solenemente com um elegante fato de cerimónia.
Fiz o relato e o Chico Laranja comentou. O Varzim ganhou 3-1. O primeiro golo foi marcado pelo António Lima Pereira que era meu colega de turma na Escola Secundária Rocha Peixoto. Os outros dois golos foram apontados por Vata, um avançado angolano que fez furor no Varzim e acabaria por ser transferido para o Benfica em 1988.
Foi o primeiro jogo de futebol transmitido em direto por uma rádio poveira. Sentimos um enorme impacto pelas abordagens na rua e inúmeras mensagens que chegaram das mais diversas formas à Rádio Onda Verde.
Durante dois anos relatei os jogos do Varzim nas estações locais da Póvoa. Primeiro na Onda Verde e mais tarde na Rádio Póvoa. No início de 1988 passei para os media de massa. Tive uma passagem efémera pela TSF, e em maio desse ano ingressei na Rádio Renascença onde fui editor, chefe de redação do desporto e ainda me mantenho como colaborador, nas narrações de futebol. Já estou perto dos 2500 relatos.
Quanto à saudosa e lendária Rádio Onda Verde a quem muito devo e guardo todos os dias no coração, como referiu em tempos o meu amigo Xavier Flores, “por razões que só mais tarde, um dia a história dirá”, não conseguiu a legalização e encerrou as suas emissões em 24 de dezembro de 1988. Um rude golpe na vida da Comunicação Social poveira.
Pedro Azevedo, Jornalista (RR e Sport TV)
Na Foto: Pedro Azevedo no estúdio da Rádio Onda Verde, em 1985
