Voz da Póvoa
 
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O meu 25 de Abril de 1975

O meu 25 de Abril de 1975

Opinião | 24 Maio 2025

 

Espinho, freguesia do concelho de Mangualde.

Mudança de casa, o colchão trazido do quarto para a sala onde estava a televisão em cima de pequena mesa; rever o dia 25 de 74 na noite que antecedeu a eleição para a Constituinte deu para tarde, ficou na memória mas iria tornar o dia seguinte mais difícil pelo cansaço.

Assim foi. A escola primária de Espinho tinha uma multidão à porta, todos com pressa de votar, a grande maioria pela primeira vez, eu reincidente, agora em liberdade. Cito Jorge Semprun, Biografia de Federico Sanchez, recordando o primeiro encontro com a Passionaria – Nos momentos decisivos a memória sobe sempre até às origens, mesmo as mais remotas…

Eu regresso a 1958 e à não eleição do general Humberto Delgado. A vitória do general em Aver-o-Mar, freguesia do concelho da Póvoa de Varzim, permanece desde os meus 14 anos na imagem dum apoiante a surgir enquadrado pela entrada clássica encimada pela placa Obra da Ditadura Nacional, braços erguidos: Ganhamos!

25 de Abril de 1975. Não integrava a mesa, a Marlene sim, era delegado do Partido Comunista, tarefa que desempenhei com o fervor militante dos anos da revolução. Os cigarros não ajudavam a prevenir o cansaço da avalancha que, apesar de tudo, se foi mantendo disciplinada. Um pequeno proprietário rural que se identificava “sou marido da srª professora”, tentava, mais o padre, influenciar o voto no partido da sua preferência. Fiz valer a minha autoridade de delegado ameaçando-os com a intervenção da autoridade, a GNR. A Marlene mandou mesmo o padre sair quando este, intempestivamente, votação fechada, abriu a porta da sala a perguntar: Ainda demora muito?

O PS ganhou também aqui, o reino do Cavaquistão só chegaria depois.

Para a pequena história: seguramente não caso único nesta festa da democracia e do povo: um garrafão de vinho, do bom vinho da região, debaixo da secretária, fez companhia durante o dia, inesquecível para quem o viveu, 50 anos depois.

PS: informaram-me que a placa na frontaria da escola primária de Refojos – Obra da Ditadura Nacional – tinha sido retirada. Por quem? Com que intenção? Onde pára este testemunho da nossa história recente?

Abílio Travessas

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