Voz da Póvoa
 
...

“O homem que gostava de cães”

“O homem que gostava de cães”

Opinião | 15 Setembro 2024

 

De Leonardo Padura, escritor cubano, tinha lido Hereges, “romance absorvente sobre uma saga judaica que chega até aos nossos dias” e que me deixou mais sabedor da história do povo “escolhido por Deus”, ainda à espera do Salvador.

“O homem que gostava de cães” - um romance que nos dá um retrato impiedoso da utopia mais importante do século XX – era Ramon Mercader, assassino de Trótski, Liev Davidovitch Bronstein. Leonardo Padura, nascido em 1955, atravessa os anos do entusiasmo revolucionário da revolução cubana e chega ao desencanto de mais uma utopia. As críticas ao regime soviético, dos erros confessados por Trotski e, por arrasto, Lenine, estendem-se ao regime cubano, subserviente e dependente da ajuda do amigo socialista, depois do isolamento provocado pelo boicote americano.

Trótski era o último dos velhos bolcheviques da revolução, todos os outros tinham sido eliminados pela máquina assassina de Stalin. Ramon Mercader, comunista catalão convicto, combatente republicano na guerra civil espanhola, é o escolhido para o golpe final, depois de três anos de preparação minuciosa e de uma lavagem ao cérebro para o fazer acreditar nos crimes dos adversários do georgiano, líder da poderosa União Soviética. Os processos de Moscovo dos anos trinta eliminaram muitos dos companheiros de Lenine e Trótski, uma sanha assassina liderada por Lavrenti Béria, o carrasco ao serviço de Estaline – subtítulo do livro de José Milhazes.

Padura dá-nos o “confronto” de dois homens, um revolucionário, que perdeu quase toda a família às mãos de Stalin, outro um assassino, “jovem cheio de fé (…) aberto à luta por um mundo de justiça e igualdade, e, se tivesse morrido a lutar por esse mundo melhor, teria ganho um espaço eterno no paraíso dos heróis puros”.

Ramon Mercader não é o clássico assassino frio, sem dúvidas… Foi convencido pela máquina, pelo seu mentor, agente ao serviço de Stalin, para ver na vítima um adversário da pátria do socialismo, um traidor ao serviço de potências inimigas.

Leandro Sánches Salazar: Ele não estava desconfiado?

Detido: Não.

LSS: Não pensou que ele era um velhote indefeso e que você estava a agir com enorme cobardia?

D: Eu não pensava nada.

LSS: Ele não o viu agarrar na picareta?

D: Não.

LSS: Imediatamente a seguir de lhe ter assestado o golpe, o que fez ele?

D: Saltou como se tivesse enlouquecido e deu um grito de louco. O som do grito dele é uma coisa que recordarei toda a vida.

(Do interrogatório a que (…) o coronel Leandro S Salazar, chefe dos serviços secreto da polícia de México, submeteu Jacques Mornard, ou Frank Jacson, presumível assassino de Liev Trótski)

Preâmbulo do livro “O homem que gostava de cães”.

 

Abílio Travessas

partilhar Facebook
Banner Publicitário