Voz da Póvoa
 
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O fora de jogo e a ética inglesa

O fora de jogo e a ética inglesa

Opinião | 18 Dezembro 2021

 

A história do futebol não pode ser dissociada da história geral das civilizações

A Dança Dos Deuses – Futebol, sociedade, cultura

Hilário Franco Júnior

 

É dado incontroverso que o futebol moderno surgiu na Inglaterra nos meados do séc. XIX. A princípio sem regras – em 1848 aparece a primeira uniformização e 1912 marca o fim das várias e importantes adaptações - e era predominantemente jogado com as mãos. Porque a bola era dura e pesada só o aparecimento da borracha e da técnica de vulcanização descoberta por Charles Goodwear em 1872, permitiu a feitura de bolas mais leves e um jogo em que os pés começaram a ter a primazia.

Foi nas escolas, primeiro das elites e mais tarde da burguesia, escolas como Eton, Rugby, Cambridge, Oxford, onde o desporto, introduzido por Thomas Arnold – director da Rugby School – em 1830, pretendia “desenvolver a fibra moral da elite britânica” (A dança dos deuses). Os desportos e o futebol moderno em particular visavam a formação de dirigentes aptos a governar o imenso império dando-lhes vigor físico e espírito forte.

No início as regras variavam de escola para escola, de clube para clube (formados por estudantes saídos das instituições escolares) e foi em Eton que as primeiras regras foram fixadas e aplicadas em 1849 com a limitação do uso das mãos que não podiam servir para segurar e/ou transportar a bola, regra importante para a separação do futuro râguebi; nem para impedir ou derrubar adversário – a placagem.

A evolução foi lenta, de décadas, porque escolas e clubes persistiam no uso das mãos, como Rugby, Malborough e Chelterhouse; Eton, Westminster e Charterhouse adoptavam os jogos com o pé. Era necessário codificar e, em 1848, surgiram as Regras de Cambridge, publicadas na Gazeta Parker e integradas pelas escolas aderentes. As novas regras baniam os golpes do velho jogo popular como a rasteira, o pontapé nas tíbias e tornozelos. O fora de jogo ainda não estava no horizonte, pelo que os jogadores colocavam-se no fundo do campo esperando os lançamentos mais longos.

Mas as regras continuavam a variar muito nas diversas vilas e cidades por onde o futebol se tinha espalhado e é só em 1863, data fundadora, que numa reunião no Botequim Maçónico na taberna Free-Mason’s em que participaram representantes de onze escolas londrinas e de clubes dos subúrbios, emergiu o corpo de regras do football association com a adopção das Regras de Cambridge sem grandes modificações – uso mínimo das mãos e do contacto físico, privilegiando os pés. Aqui nasce o futebol moderno separando-se do rugby football. Curiosidade sobre o uso das mãos: só em 1870 o privilégio foi restringido ao guarda-redes.

Agora o off-side. Historiadores italianos escreveram sobre o “compromisso político na monarquia parlamentarista saída da revolução de 1689, num fair play que desde então entrou na formação do espírito britânico, inclusive desportivo” (A dança dos deuses); é esse espírito, segundo os académicos citados, que está na base da regra de ouro do futebol, o fora de jogo, ficando nessa posição quem  adopta comportamento furtivo, quem se esconde nas costas do adversário para fazer gol.

Continuando a seguir o texto de H F Júnior: “Por isso, em Eton, um dos centros pioneiros do futebol no séc. 19, a situação de off side era chamada de sneaking, uma espécie de emboscada. Mais do que ilegal, o off-side era imoral.”

Por fim: a introdução desta regra fundamental tornou necessária uma outra, a do árbitro, em 1868.

Abílio Travessas

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