Voz da Póvoa
 
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O Abade de Priscos em Jerusalém do Romeu e na Póvoa

O Abade de Priscos em Jerusalém do Romeu e na Póvoa

Opinião | 7 Fevereiro 2020

A oportunidade surge e há que não desperdiçar. A propósito de mais um encontro anual dos que em Coimbra jogaram futebol na Secção da Associação Académica, no Restaurante Maria Rita, em Jerusalém do Romeu, Mirandela, disse o essencial sobre o banquete organizado pelo Abade de Priscos para a comitiva do rei D. Luís, na passagem pela Póvoa, em visita ao norte do Reino, a 3 de Outubro de 1887.

A palestra incidiu, após uma introdução sobre o multifacetado Manuel J M Rebelo, Abade de Priscos, Papa de Cozinheiros – assim o consagrou José Quitério, crítico gastronómico que foi do Expresso, muitos anos – sobre a nossa gastronomia e o destaque para a Pescada à Poveira. Não posso nem devo deixar de criticar o eminente crítico quando escreve no Livro de Bem Comer, sobre as iguarias do Douro Litoral: “No sector piscícola, a Póvoa de Varzim contribui com a PESCADA Á POVEIRA (cozinhada com colorau, cebola picada e louro, acabando a apurar à mesa, envolvida em dois tachos de barro, abafados por sua vez num guardanapo atado)”. Como sairia esta pescada, cozinhada por alguém desconhecedor da importância do molho servido à parte? Na doçaria regional, Quitério destaca as rabanadas poveiras, sardinhas doces (de massa folhada, chila e ovo) e barquinhos.

A propósito da pescada e do Fim-de-semana Gastronómico promovido pelos Sabores Poveiros, tive o prazer de degustar os Cambitos de Raia, a Pescada à Poveira e a Rabanada à Poveira num dos restaurantes aderentes, Ibérica, ali quando a EN 13 toma o nome de Gomes de Amorim. Restaurante familiar, Dona Cândida a comandar a cozinha com mão enérgica, lídima representante das cozinheiras nortenhas.

Tudo uma perfeição a alegrar o prazer duma boa mesa. Em conversa já ao balcão, com o Rui, prestimoso coadjuvante da tia, fiquei a saber mais sobre a Pescada à Poveira: as postas querem-se as que se seguem à gola, nunca do último terço da dita! O molho leva o toque segredo de cada casa…
Sobre o Abade, da igreja de Priscos, Vila Verde, onde exerceu o múnus sacerdotal muitos anos com o agrado dos paroquianos: a arte culinária sobrepôs-se a outros interesses de homem culto, o teatro, a fotografia e iniciando o animatógrafo. Cozinheiro que buscou saberes na cozinha francesa e praticante da portuguesa mais genuína – “em 1900 levou a Paris postas de bom bacalhau que cozinhadas a seu modo… provocaram o êxtase ao cozinheiro francês, ao dono do hotel e aos demais comensais gauleses” – Livro de Bem Comer – era um organizador que se responsabilizava de todos os pormenores de banquetes encomendados: “Ao longo da sua longa existência executou centenas de sumptuosas refeições de gala para homenagear reis, príncipes, prelados, ministros… acorrendo ao chamamento de colegas e de famílias opulentas de Entre-Douro-e-Minho… Encarregava-se de todos os preparativos necessários: relações de utensílios a utilizar, do pessoal coadjuvante, dos produtos e das especialidades que ele próprio se aprovisionava no Porto… compunha e guarnecia a mesa. Depois era a hora do seu génio culinário entrar em acção…”, José Quitério em Livro de Bem Comer.

As receitas perderam-se; restam-nos as ementas de banquetes como os do palacete do conde Margaride em Guimarães, também para a família real, e o da Póvoa. Escrita quase só em francês, nesta não faltou o poisson à la Póvoa de Varzim.

Abílio Travessas

 

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