Voz da Póvoa
 
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Noite em branco em Vila do Conde

Noite em branco em Vila do Conde

Opinião | 2 Agosto 2023

 

“Para uns foi a Noite Branca, para nós foi noite em branco!” Assim se referia um vizinho à chinfrineira insuportável que preencheu a noite do passado sábado.

Para os moradores do centro histórico de Vila do Conde, infelizmente, este não foi caso único. De facto, a catadupa de festas começa, anualmente, a 24 de maio prolongando-se até setembro, sempre pontilhada por um desrespeito gritante por aqueles que, todos os dias, habitam estas tão pitorescas ruas.

Não é, de resto, problema atual. Sejamos justos: anterior executivo e atual, todos afinam pelo mesmo diapasão do desprezo pela sanidade mental dos moradores das ruas sinuosas Vila-Condenses.

No tempo da outra senhora era sublime ver perfilar-se uma panóplia de instrumentos de tortura auditiva. Umas vezes, colunas enormes a debitar ruído para “desportistas” desenfreados de bicicletas sem rodas; outras, ensaios intermináveis a alinhar a música e o povo insubmisso para os espetáculos d’ Um Porto para o Mundo; para não falar, claro, da mítica festa de escárnio pela vitória do movimento que recentemente abalou, mar afora, em trôpega barcarola.

Em nenhuma delas se viu a polícia, a edilidade ou as “forças vivas” da cidade dignarem-se intervir apesar dos apelos, do avanço da hora e, não raras vezes, do gritante atropelo ao justo direito dos cidadãos em usufruir da cidade, do vento norte e, claro, do silêncio, porque a isso têm direito todos os habitantes de um burgo.

Claro está, este ano, porque a questão sucessória sempre se coloca quando muda o executivo, tem de se fazer mais. Tem de se fazer muito mais.

Como o que interessa é a quantidade, este ano brindam-nos com festa semanal até setembro. Quase três meses de festejo ininterrupto, trazendo a Vila do Conde o mais ruidoso, o mais manhoso e o mais desajeitado cancioneiro português.
 
Verdade seja dita, haverá um ou outro sábado sem chinfrim, transitando-o para outras paragens (Caxineiros, sou solidário!). Mas a “chicha boa”, o lombinho do cachaço, esse fica para o megapalco de plástico montado em cima da praça mais icónica da nossa cidade, abrilhantando-a.

E abrilhantou! Como qualidade atrai qualidade, a atroante “noite em branco” foi povoada pela mais fina flor do subúrbio citadino. Resmas de povo de chapéu a la santoinho e alba túnica esvoaçante veio apreciar esses grandes nomes da “cultura” nacional. E que artistas! Era vê-los esbracejar e gritar chavões motivacionais enquanto sintetizavam para um público disforme, mais ou menos anestesiado pelos martelinhos estridentes.

Assim aconteceu sábado passado. Assim acontecerá no próximo e em todos os outros que se seguem.

Quanto a mim, resta resignar-me à minha condição de morador de segunda, sem os mesmos direitos de todos os outros. Ainda assim aguentarei, estoicamente, no meu posto, munido de tampões e calmantes. Dos fortes, claro.

Francisco Vieira

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