Comecemos com a história. Alexandre, o Grande, morreu em 323 a.C.; antes, conquistou todo o mundo conhecido, começando pelo Império Persa. Fundou Alexandria, Egipto, de que o seu general Ptolemeu I assegurou o comando, depois de Jogos Funerários, Mary Renault, terceiro volume que relata as guerras entre os sucessores de Alexandre. “Tanto Ptolemeu I, o fundador do Museu (onde se acumulavam milhares de rolos de papiro) como o seu filho Ptolemeu II não agiram com a mesma vontade que empurrara Alexandre para a exploração dos confins do mundo; em vez de enviarem tropas estes soberanos enviaram emissários comerciais com bolsas cheias de ouro para comprar livros (papiros)”. – História, National Geographic, A Biblioteca de Alexandria. No artigo da revista, o declínio da Biblioteca começou com Ptolemeu VIII e, em 47 a.C., “segundo Plutarco, na guerra que Júlio César e Cleópatra (última rainha da dinastia Ptolemaica) travaram com Ptolemeu XIII, parte ou toda a Biblioteca ardeu. Em 391-415 d.C., Teófilo, patriarca cristão de Alexandria, promoveu a destruição do Serapeu e da sua Biblioteca”. Consultemos e sigamos o livro de Catherine Nixey, A Chegada das Trevas – como os Cristãos destruíram o mundo clássico. O templo de Serápis, Alexandria, “era de tal modo fabuloso que os escritores do mundo antigo se debatiam para encontrar maneiras de transmitir a sua beleza. Os seus grandes salões, as suas colunas, as suas estátuas espantosas e a arte contribuíram para fazer dele, fora de Roma, “o mais magnífico edifício do mundo inteiro”. No centro do templo estava uma grande estátua em ouro do deus Serápis. “Para a nova geração de clérigos cristãos, contudo, Serápis não era uma maravilha de arte; ou um deus local muito amado. Serápis era um demónio. No início de 392 d.C., uma grande multidão de cristãos, com Teófilo à cabeça, entrou no mais belo edifício do mundo e começaram a destruí-lo. Em 642 d.C., o califa Omar, comandando os conquistadores muçulmanos do Egipto, destruíram o que restava da Biblioteca.
Edward Gibbon, em Declínio e Queda do Império Romano – Obra-prima da historiografia e da literatura, narração admirável do apogeu e decadência da civilização romana – tem um capítulo dedicado ao tema: A Destruição do Templo de Serápis.
Hipácia de Alexandria. “Num dia de primavera de 415 d.C., os parabalani (homens que se tinham reunido inicialmente para realizar boas acções cristãs, mas podiam ser usados em actos terríveis. O controlo que muitos bispos exerciam sobre os seus rebanhos era firme a ponto de ser implacável) cometeram um dos mais infames assassinatos do início do Cristianismo. Hipácia era filósofa, astrónoma e a maior matemática do seu tempo. Arquimedes, matemático e físico do Eureca!, Eratóstenes – calculou a circunferência da terra com erro mínimo – Aristarco de Samos, que propôs o primeiro modelo heliocêntrico do sistema solar, Euclides, cujo manual de matemática perdurou até ao séc. 20 … estudaram em Alexandria.
Hipácia privilegiava a igualdade entre cristãos e não-cristãos, era mulher respeitada na cidade que vira desaparecer o grande templo de Serápis e os “seus dois mil e quinhentos altares, templos e locais religiosos, devido ao surto de violência a que os cristãos se tinham lançado”.
Os judeus foram os primeiros a sofrer por serem “como os pagãos, os odiados inimigos da Igreja. João Crisóstomo, pregador, dissera: “A sinagoga não é apenas um bordel … é também um covil de ladrões, a residência dos demónios”. Os nazis reimprimiram os seus textos …
Para os fanáticos cristãos Hipácia era um demónio, uma criatura do inferno. “Mal se ergueu na rua, os parabalani, sob as ordens de um magistrado da Igreja chamado Pedro – um perfeito crente em Jesus Cristo – rodearam e agarraram a mulher pagã”. O horror da sua morte deixa-me sem palavras…
Abílio Travessas