Anos noventa, Escola Secundária de Nelas, professor na área das ciências sociais, direito e economia, e uma disciplina que dava prazer leccionar, Introdução ao Desenvolvimento Económico e Social. Além do manual, bom, recorria a uma série de vídeos de história do séc. XX que permitia uma visão global dos acontecimentos mais importantes desde a primeira guerra mundial à queda do muro de Berlim. Mas o que aqui me traz é um filme do mestre japonês Akira Kurosawa – de quem revi na Biblioteca Municipal da Póvoa de Varzim, Rocha Peixoto, a obra-prima Os sete samurais – Dersu Uzala, A Águia da Estepe, em português. O filme ganhou o Óscar para melhor filme estrangeiro e inspirou-se no livro do “explorador russo Vladimir Arseniev, enviado à região de Ussuriiski, fronteira da Rússia com a China e o Japão, para cartografar aquele território.”
Projectei o filme para os alunos do 12º ano da disciplina acima mencionada com a intenção de alertar para a solidariedade (há um episódio que me ficou gravado a atestá-la) e a antecipação dos problemas ambientais que Dersu Uzala, protagonista da expedição, transmitia: “um caçador que não sabe a idade que tem, elemento de uma das tribos locais, os goldos, algumas já em extinção devido à exploração de recursos, deflorestação e doenças civilizacionais, como a varíola, que dizimaram aldeias inteiras, incluindo a família de Dersu, o ingénuo, o analfabeto, o homem que fala a língua dos russos sem respeitar a gramática e chama pessoas a gente, plantas, animais, ao fogo, à água, ao vento”. Memória boa dum tempo que ainda dava prazer ser professor, ter uma relação privilegiada com os alunos usando meios diversificados de ensino.
Estes bons tempos chegaram-me com o texto duma grande jornalista do Público, Isabel Lucas, no suplemento ípsilon: “Há quem lhe chame profético. É Dersu Uzala, livro de Vladimir Arseniev que inspirou Akira Kurosawa. Tem agora tradução em Portugal, cem anos depois da publicação, e traz uma personagem eterna”.
O DVD, da biblioteca da Escola Secundária de Nelas, vinha acompanhado dum caderninho com o essencial sobre o realizador e o seu percurso; o filme, “o único da sua carreira não falado em japonês, afastando-se dos seus temas de eleição, vindos do mundo dos samurais”. O actor que personifica Dersu, Maxim Munzuk, deixa uma imagem de plena integração no espírito e corpo, “com o seu caminhar balançante, de passos curtos…”
Abílio Travessas