Voz da Póvoa
 
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Da escola primária ao Liceu nos anos sessenta do século XX

Da escola primária ao Liceu nos anos sessenta do século XX

Opinião | 19 Agosto 2021

Após quatro anos de ensino primário passados na Escola do Desterro sempre na mesma sala, com a professora D. Alice Correia, fui para o Liceu Nacional da Póvoa de Varzim, hoje Escola Secundária Eça de Queirós. Corria a década sessenta do século passado, a envolvente do edifício mantinha fortes traços de ruralidade, a família Rosmaninho ainda vendia leite do dia à porta, o senhor Paulino passava com o seu rebanho de ovelhas e o sr. Zé do Poço, tinha uma exploração agrícola nos terrenos onde hoje está o Palácio da Justiça e a Praça dos Combatentes, a Santa Casa por trás dos pavilhões iniciais era uma ampla quinta com um grande tanque ao fundo. Esta realidade diferia bastante do ordenamento da malha urbana da Póvoa balnear e piscatória que se desenvolvia da estrada nacional 13 para poente, o contraste era ainda mais evidente quando ali bem perto se situava maior unidade industrial poveira, a fábrica de cordoarias têxteis “Quintas e Quintas”.

Não era fácil a passagem do ambiente controlado da escola primária, com quatro salas e pouco mais de cem alunos na ala masculina, para um edifício enorme e labiríntico que albergava mais de mil alunos. Se adicionarmos nove novas disciplinas (português, francês, ciências naturais, matemática, desenho, canto coral, ginástica a religião e moral, trabalhos manuais), nove professores diferentes, avaliações trimestrais com notas de zero a vinte, teremos uma noção mais nítida dos desafios que se colocavam aos recém chegados.

Existia ainda um apertado quadro de normas de acesso, circulação, permanência e de comportamento nos espaços, para impedir por exemplo que rapazes e raparigas se cruzassem ou contactassem no interior do liceu. O cumprimento dessas regras era assegurado por um batalhão de contínuos, chefiados pelo inesquecível Sr. Lima.

A maioria dos professores mais antigos era empenhada no seu trabalho, depois havia alguns indiferentes e uma minoria que estava de mal com a vida chegando a ter comportamentos que hoje seriam considerados bullyng. Impossível não recordar a bonomia do Dr. Fiúza, professor de Francês “qui manque à la classe?”, o azedume do Dr. Naftali, professor de Desenho, o grau de exigência do padre Joaquim (que mais tarde chegou a Bispo), enquanto professor de Português, o apagado professor de Ciências Naturais “transferido” para a Praça do Almada nos últimos anos da ditadura, o Dr. Cardeal e a sua bicicleta, o impagável Professor Octávio de ginástica, as exigentes Drª Conceição Marques e Drª Marília, etc, etc.

Do corpo docente destacava-se o Dr. Carlos Limas, temido Reitor, figura imponente parecia enorme, invariavelmente de fato azul marinho, a sua aproximação fazia-se anunciar pelo chiar produzido ao caminhar pelos sapatos de sola de fabrico manual. À sua passagem instalava-se o silêncio apenas cortado por aquele ruído.

Por: João Sousa Lima

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