Voz da Póvoa
 
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Curral das Freiras

Curral das Freiras

Opinião | 20 Setembro 2022

 

A origem deste topónimo madeirense contém duas explicações: uma busca a origem num ataque dum corsário francês (Surcouf, esse das minhas memórias da BD?) muito violento que obrigou o povo a fugir, freiras também, para um buraco, vale que resultou dum aluimento gigante de montes ladeantes e não uma cratera como parecia. Curral porque havia cabras e ovelhas em pastos abundantes.

Impressiona e amedronta o percurso em autocarro, ravinas profundas dum lado, montanha protectora do outro, condutor da viatura a dar segurança – é de realçar a perícia dos condutores dos autocarros nesta ilha de orografia acentuada em que o precipício está sempre presente – que nem o obstáculo de obras na estrada quase ocupada por duas grandes máquinas impediu a passagem. Foi uma aventura de emoções, de medos e deslumbramento, ravinas que quase não deixam ver os limites, vegetação densa – esqueletos de árvores pontuam os montes, memórias de incêndios que ali passaram – verde constante, sem pausa para descontrair.

Na vila, a igreja, o museu etnográfico que merece visita demorada e se encontra integrado num restaurante onde saboreamos sopa de castanhas – há festa desta iguaria dos castanheiros penduradas nas encostas declivosas.

Na biblioteca, duma sala, a directora que estava de saída, delegou numa jovem que, às minhas perguntas me reenviou para o Cristian, jovem venezuelano, tímido e simpático com formação académica na área das humanidades, Literaturas Comparadas entre outras habilitações. Tinha eu tido conhecimento do recente lançamento do livro Mulheres da minha ilha, mulheres do meu país, de Ana Cristina Pereira nascida na ilha da Madeira, por ele perguntei, se já o tinham. O livro estava ali, na secretária do Cristian, e, surpresa, uma senhora que fazia a limpeza do espaço: Ela é minha sobrinha! Que coincidência! Na badana do livro: “Ana Cristina Pereira é repórter do Público. Fez reportagens sobre o tráfico de órgãos humanos em Moçambique, a prostituição infantil na África do Sul, as lutas políticas na Venezuela… Dedica-se sobretudo a assuntos de direitos humanos e exclusão social”. É autora de vários livros e co-autora de outros, além de peças de teatro documental.

Às mulheres do meu país regressarei. Material há, desde a obra seminal de Maria Lamas, com o mesmo título, à mini-série de Raquel Freire, filha de poveiros, que passou na RTP em três episódios e ainda A mãe e o mar, documentário de Gonçalo Tocha, com vários prémios, sobre as mulheres-arrais de Vila Chã. Heroínas do mar como Maria Ramos Canito, profissão pescadeira, olhos castanhos, cor branca, 1,55 m, nascida a 5 de Fevereiro de 1925, inscrição a 4 de Setembro de 42, na Capitania de Vila do Conde – dados da Cédula Marítima. O relato desta mulher, no barco de pesca artesanal com um pescador, apanhados por uma tempestade, é mais uma epopeia de gente do povo, digna dos navegadores que fizeram a grande história.    

 

Abílio Travessas

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