
No princípio Ela gritava…
Atirava com as panelas todas, tecia infames desaforos, vociferava desvarios e feria, como poucas pessoas o sabem fazer, a todo o ser que ousasse plantar a fúria em seu caminho.
Era dessa forma que defendia a si mesma dos espinhos alheios: agredindo o agressor, até o dia em que o eco da própria violência tornou-se coisa insuportável de ouvir.
Era como se cada maldição que ganhava o espaço através da sua boca, levasse consigo parte da sua essência, e isso a atordoava.
Foi dessa forma Ela que aprendeu a calar.
Durante os primeiros tempos, o silêncio não era paz. Era tortura lenta e dolorosa.
A raiva era uma fera a afiar as garras nas paredes do peito, procurando uma saída, exigindo liberdade.
Nalguns dias a mudez soava a covardia, rendição, injustiça consigo mesma. O corpo tremia, os dentes cerravam, o coração era uma manada selvagem.
Mas Ela sabia que essa era a única maneira de conquistar a tão sonhada paz: aceitar a sensação desconfortável de não agir, deixar que o sangue arrefecesse antes de falar e perguntar a si mesma enquanto se mantinha imóvel: “o que essa raiva quer me dizer?”.
Ah, essa pergunta tinha sempre tantas respostas que Ela só conseguia ouvir quando ficava em silêncio!
Calando percebeu que a raiva não trazia o caos, mas revelava limites ultrapassados, dores antigas, expectativas não ditas e, especialmente, atitudes que ela tinha que tomar em prol da própria evolução.
Cada silêncio escolhido era um sussurro interior que contava histórias esquecidas, feridas sem nome, receios apaziguados pois, ao calar, ela se encontrava.
Com o tempo, a raiva começou a mudar de forma. Já não era um invasor, mas um sinal. Uma lanterna acesa sobre algo que precisava ser revelado, mas com paciência, com mel ao invés de lâminas na língua.
A arte de calar não a tornou menor. Tornou-a vasta: onde antes havia reação, surgiu discernimento. Onde antes havia ataque, nasceu escolha. O silêncio deixou de ser vazio e passou a ser território.
Ela percebeu que nem toda batalha precisa ser travada no momento em que é provocada.
Algumas se vence esperando, outras, negando-se a lutar, e há aquelas que não podem ser vencidas, pois têm apenas a missão de mostrar que já não pertencemos àquele lugar.
Hoje, quando a raiva chega, ela a trata como turista: educadamente oferece-lhe um lugar para sentar. Escuta pacientemente e só depois decide o que merece voz.
Aprendeu que calar e amadurecer a resposta não é submissão, é maturidade.
É o esforço colossal, mas às vezes invisível aos olhos dos outros, de quem escolheu não ferir, nem a si, nem ao mundo, enquanto aprende, dia após dia, a transformar fogo em luz.
Maria Luiza Alba Pombo, escritora