Baçal segundo o seu Abade é um livrinho comprado no Museu Abade de Baçal em visita a Bragança, uma joia no nosso interior. Nele me vou guiar para dar a conhecer melhor este abade; subtítulo do livro, “Contactos científicos entre os geógrafos Orlando Ribeiro (OR) e Hermann Lautensach e o Padre Francisco Manuel Alves”. O prefácio de José Meirinhos dá-nos a perspectiva do encontro entre Francisco Manuel Alves e Orlando Ribeiro, “por iniciativa do jovem geógrafo (OR), recomendado por José Leite de Vasconcelos, figura proeminente da etnografia, da arqueologia e da etnolinguística portuguesas. Orlando Ribeiro é provavelmente o maior geógrafo português de sempre; …F M Alves é o mais importante etnógrafo transmontano de sempre, autodidata e um dos maiores de todo o País, com um trabalho memorável e memorialístico sobre as terras de Bragança”.
Apresentadas as duas personalidades vamos ao que interessa para melhor conhecermos o Abade: “Na altura do primeiro encontro com O Ribeiro, F M Alves era uma figura proeminente na região, já bem conhecido do país culto, não só pela década à frente do Museu de Bragança, como pelo seu importante trabalho de recuperação da história, usos e costumes dessas terras, que há décadas vinha publicando sob o título Memórias Arqueológico-históricas do distrito de Bragança”.
É Leite de Vasconcelos que proporciona o encontro de OR com o abade. “Conheci o Abade de Baçal no verão de 1936, durante uma excursão que fiz por Trás-os-Montes, parte dela na companhia do meu Mestre Leite de Vasconcellos, que aí fora estudar linguagem dialectal”. Este encontro é elucidativo da grandeza de dois homens. Melhor será continuarmos com OR: “…Depois de trocarem um abraço sinceramente afectuoso, sentou-se à nossa mesa da pensão. A conversa, naturalmente, tomou logo o rumo da Etnografia; tratavam-se por vós, e esta maneira, corrente ainda em Trás-os-Montes, mas que para mim tinha um ressaibo arcaico, usavam-na os dois velhos sem a menos afectação. O tempo antigo, as usanças tradicionais, as costumeiras do povo, os livros que andavam escrevendo, foram assunto que os prendeu durante mais de uma hora. …Eu ouvia-os extasiado: pareciam-me figuras sobrenaturais, fora do tempo, movendo-se num tempo que, nesse ano de 1936, era ainda muito antigo nas aldeias transmontanas que eu andava a percorrer. …Falavam um português que não se ouve nas cidades nem nas Academias, simples como o do povo provinciano, parecido um pouco com a maneira de alguns dos nossos clássicos menos arrebicados. Eu já ouvira pastores e moleiros falarem assim, e esteva acostumado à expressão chã do meu Mestre: mas escutar neste estilo a conversa de dois homens eminentes era para mim deliciosa novidade”.
Leite de Vasconcellos, no dia seguinte “ia ao quartel interrogar soldados das várias aldeias ou completar entre os Judeus investigações que então o preocupavam”; deitou-se cedo e “eu aproveitei para conhecer melhor o Abade, o homem e o sacerdote, por causa de certos problemas morais que ao tempo me preocupavam. Então admirei ainda mais a grandeza daquela alma, a sua visão tolerante e profunda, a humildade e direitura de carácter do padre”.
Abílio Travessas