Voz da Póvoa
 
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As façanhas de Vasco da Gama e um livro que esperou 300 anos

As façanhas de Vasco da Gama e um livro que esperou 300 anos

Opinião | 18 Novembro 2022

 

Gaspar Correia (1492 – 1561) foi autor do livro “Lendas da Índia” uma das mais importantes obras sobre os primeiros tempos da presença portuguesa naquelas paragens. A crueza dos factos narrados, diametralmente oposta aos habituais panegíricos, terá sido um dos motivos que protelaram, por cerca de 300 (!!!) anos, a publicação do livro, cuja responsabilidade a Real Academia de Ciências em 1858 assumiu. O primeiro de 8 volumes abarca o período anterior à sua chegada, desde o primeiro descobrimento da India até o ano de 1510, contendo nomeadamente as acções de Vasco da Gama, Pedro Alvares Cabral.

Em agenda para futura oportunidade ficará uma crónica sobre a vida deste homem que viajou para a índia em 1512 com o fidalgo Jorge de Mello, destinado a servir como soldado com a fé viva de mancebo e em pouco tempo chegou a secretário do Vice-Rei Afonso de Albuquerque. Segundo alguns o assassinato de Gaspar Correia em Malaca, terá sido perpetrado por ordem do governador Estevão da Gama, neto de Vasco da Gama.

Voltemos aos factos: Vasco da Gama partiu de Lisboa em Fevereiro de 1502 com dois objectivos: Castigar o Samorim (título do soberano de Calecut) e fortificar a feitoria, chegado ao mar das Índias espalhou o terror “satisfeito de si o capitão rumou para Calecut. Mandou intimar ao Rajá a expulsão de todos os mouros, que eram 5.000 famílias, das mais ricas da cidade”. Como era de esperar o Samorim não acatou a ordem. A resposta de Gama à recusa foi logo o bombardeio da cidade.
 
É impossível não ficarmos horrorizados com a violência extrema daqueles dias de que o relato de Gaspar Correia nos dá conta. A imagem de herói e aventureiro da historiografia oficial de Vasco da Gama jamais será a mesma.

O capitão mor que ao fundear no porto apresara um número considerável de mercadores e embarcações, “mandou a toda a gente cortar as mãos e as orelhas e narizes e tudo meter em um pager” (pequeno barco) no qual mandou meter um “frade também sem orelhas com uma carta para o Rajã” que lhe dizia que “mandasse fazer caril para comer do que lhe levava o seu frade.”

“A todos os negros assim justiçados mandou atar os pés, porque não tinham mãos para se desatarem e para que não se desatassem com os dentes com paus lhes mandou dar neles que nas bocas lhos meteram para dentro e foram assim carregados uns sobres os outros embrulhados no sangue que deles corria e mandou sobre eles esteiras e ola (folha) seca e lhe mandou dar as velas para terra com o fogo posto que eram mais de 800 mouros, e pager do frade com todas as mãos e orelhas também à vela para terra sem fogo, com que foram logo ter a terra onde acudiu muita gente a apagar o fogo e tirar os que achavam vivos.”

Em 1503 Gama, contente da “brava desforra que tomara”, decide regressar ao Reino, porém deixou uma parte da sua armada sob o comando do sobrinho, Vicente Sodré, tão célebre como seu tio com a diferença de Gama preferir “as façanhas brutaes e estrondosas: o outro queria mais à pirataria e ao roubo.”
 
João Sousa Lima 

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