Voz da Póvoa
 
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Aparece a lancha poveira no relato dramático de Maria Canito

Aparece a lancha poveira no relato dramático de Maria Canito

Opinião | 11 Março 2023

 

“Fomos pelo leste; lá, tudo correu bem. Ele conhecia as marcas, estávamos terra fora trinta e três braças, se fosse um homem grande … Chegámos lá, pôs a linha ao fundo, deu com fanecas, botámos o ferro mas o barco não ficava onde ele queria que ficasse.

E eu a colher o ferro. Por alturas do meio-dia disse para ele: Não ponho mais o ferro que não posso! Nisto vimos vir um barco da Póvoa, grande, com muitos homens, era uma lancha. E disseram para o arrais: Camarada, vamos embora porque o céu diz que vai vir muito tempo”.

A abundância da faneca pesou mais do que o perigo que gente avisada previra, e quase levaria à tragédia. Mas é nestas situações que aparece o comando do mais forte e vai ser uma mulher, Maria Canito, pescadeira de Vila Chã.

“Não fez caso, tolo com as fanecas. Pegou um nevoeiro e não nos víamos um ao outro, o barco cheio d’água e ele dizia para mim: Vamos morrer, Maria, vamos morrer… E eu dizia, Não vamos morrer nada! Nossa Senhora há-de nos valer! (a minha ideia era que íamos morrer). Eu mal ponha os pés em terra vou levar uma garrafinha de azeite à Sra d’Agonia. Vamos remar! Mas o mar era tanto que me levava; Vês, não podemos remar, vamos morrer… Quando o mar acalmava atirava, com as sacas de lona, a água com as fanecas ao mar; íamos por esse norte fora e eu tão triste, trovoada, vento, nem me quero lembrar. Ali pegadinho à noite, começou a vir noroeste, o tempo acalmou, botámos um bocadinho de vela, pouquinho, e começámos a bordejar, andar por um lado e por outro e chegámos aqui com uma vara de sol.”

“Os gritos eram tantos na praia, estavam os lavradores todos na praia, toda a gente, e nós desembarcámos pelo lado daquela pedra (apontando para o mar) ali na Morieira. Os homens agarraram no barco e trouxeram-nos para cima, trouxeram até ao fieiro e nós dentro do barco”.

Oh, Adalberto, como te viste com esta menina, com esta criança? Ele dizia, melhor do que fosse um homem!

Mais uma achega para mostrar a fibra desta mulher: “Também andei com o tio Abílio. E ele dizia assim para mim, Oh Maria, põe a manta nas costas, para não me molhar. Eu, morrer de manta nas costas! Era que faltava. Se calhar o barco virar eu quero nadar (esbracejava, exemplificando) e encontrar alguma coisa para me segurar. Manta nas costas, não, não boto, era o que faltava eu morrer de manta nas costas.”

Nota: por lapso, que lamento, o nome do realizador do documentário saiu, na crónica anterior, publicada a 16 de Outubro 2022, Gonçalo Teles, quando devia ser Gonçalo Tocha.

 

Abílio Travessas

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