Voz da Póvoa
 
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Ainda o Liceu da Póvoa, no final uma lufada de ar fresco

Ainda o Liceu da Póvoa, no final uma lufada de ar fresco

Opinião | 5 Novembro 2021

Nos anos 60 e 70 do século passado os alunos que pretendiam prosseguir os seus estudos, tinham de obter aprovação nos exames do, então, célebre 5º ano - 9º ano actual - em que as disciplinas eram arrumadas em duas secções: Letras e Ciências com avaliação autónoma.

Este verdadeiro ano tampão era, para muitos jovens, o fim de linha da vida académica e a entrada precoce no mercado do trabalho ou porque a família não tinha condições económicas de custear os estudos, ou porque abandonavam o sistema de ensino após várias tentativas mal sucedidas para concluir aquele exame. Seguiam-se uns tempos de espera até serem recrutados para o serviço militar obrigatório e mobilizados para a guerra nas colónias.

Anualmente os alunos que reprovavam eram distribuídos pelas diversas turmas, a veterania conferia-lhes um conjunto de privilégios que faziam questão de usar abundantemente: fumar nas casas de banho, copiar nos testes, esgotar o limite de faltas, escolher as equipas para os vários jogos, confiscar e mandar bolas “à república”, promover candidaturas a “chefes de turma” combinando a respectiva eleição no início do ano lectivo. Sem terem disso consciência estavam a pôr algum colorido de resistência e liberdade no cinzento daqueles tempos. O conservadorismo autoritário impunha uma disciplina rigorosa sobre alunos e professores. Que assumia diversas formas desde a estrita separação de géneros – pessoalmente vigiada pelo reitor Casal Pelaio - no acesso, circulação e áreas de permanência no edifício à repreensão de alunas por uso de saias ou batas consideradas reduzidas até a proibição do uso de calças por alunas e professoras. A biblioteca, cujo silêncio era zelosamente vigiado pelo austero Sr. Xavier, estava associada a espaço onde se cumpriam “castigos” e onde a turma inteira ficava confinada quando sem pré-aviso algum professor faltava. Aulas de educação física onde um distante professor, de casaco gravata e sobretudo nos dias frios de inverno, repetia à exaustão:“flete, flete, insiste, insiste”, deixando os desportos colectivos à autogestão dos alunos enquanto se resguardava no seu gabinete.

Nos anos finais da década de 1960 o aumento substancial do número de alunos fez chegar professores mais jovens. Diferentemente dos que persistiam no modelo de ensino conservador, os professores chegados de novo, de um modo geral, estabeleceram relacionamentos de maior abertura e proximidade com os alunos. Com Dixo, Saleiro, Lídia, Rogério, Saraiva, e alguns mais, começou a respirar-se um ar mais fresco. Uma referência, em jeito de homenagem, a Rogério Gonçalves que lecionava a disciplina de Filosofia muito para além do compêndio obrigatório. Distinguia-se pelo modo como exercia o seu magistério, praticava a proximidade sem descurar o seu papel de orientador, acomodava as diferentes motivações dos alunos não deixando ninguém para trás, encorajava a curiosidade, promovia o debate e ensinava a ver para além do óbvio. Arriscou aulas ao ar livre, perante as críticas da direcção. Ousou a leitura colectiva e comentada do proibidíssimo livro “A Praça da Canção” de Manuel Alegre.

As suas “aulas” foram sempre espaços de liberdade.

João Sousa Lima

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