Na guerra, em combate, não há de um lado os "bons" e do outro lado os "maus". Isso é um mito, a preto e branco, criado por moralistas, políticos e militares. Tanto uns como outros, seja qual for o lado, são igualmente "maus" por definição e cometem atrocidades em nome do que quer que seja - razão, direito, causa ou bandeira. A guerra (e a actual preparação dos combatentes, sobretudo quando se trata de tropas especiais) acorda, treina e mobiliza o que há de pior, bestial e cruel na humanidade. A guerra é, pois, enquanto prática social aceite - até quando? - uma aberração, e uma atrocidade que dá origem a outras tantas aberrações e atrocidades. Ela é sempre, qualquer que seja a sua causa e circunstância, um crime contra a humanidade. Na guerra há explícita autorização para matar e o tabu "não matarás" - na moral e na jurisprudência - fica deste modo irremediavelmente suspenso e comprometido. Por isso, na guerra não há ética, lei ou regras, embora os seus diligentes promotores - políticos manipuladores e vendedores de armamento - digam cínica e hipocritamente que sim, que há guerras" boas" e "más", e nos convidem a tomar partido nos seus jogos bélicos, como se de um jogo de futebol se tratasse. Mas as guerras, bem como as suas armas (objectos que são cuidadosamente feitos para matar, estropiar e destruir, e que são actualmente fabricadas por indústrias prósperas), são em si mesmas, desumanas, abjectas, amorais, atrozes, e por isso delas só se podem esperar abjecções e atrocidades. Tanto mais que, em qualquer guerra, os fins justificam sempre os meios, seja por parte dos "bons", seja dos "maus". É assim há milhares de anos. Só é lamentável que depois de tantos séculos de piedosos humanismos, religiosos e laicos, e de tanta modernidade, com a sua cultura de supostos diálogo e paz, de reflexão social e filosófica, de busca de sentido, ainda o sejam...!
Vitor Quelhas – Jornalista