Voz da Póvoa
 
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A minha biblioteca

A minha biblioteca

Opinião | 24 Junho 2022

 

Estou sentado à escrivaninha da biblioteca que fui construindo ao longo dos muitos anos que a vida já me deu. Fiz as estantes com o prazer de trabalhar a madeira e o pouco jeito herdado do meu pai, carpinteiro antes de se dedicar ao comércio onde amealhou algum pecúlio principalmente nos anos da guerra. Na construção naval trabalhou com o sogro, meu avô, Ti António d’Além, em Vila do Conde, Viana do Castelo e no Seixal; avô que exerceu o mester também no Brasil, Cabo Frio, cerca do Rio de Janeiro onde dirigiu os estaleiros nos anos da 1ª Guerra Mundial.

Que prazer saltar de livro, revista, papeis que vou retirando aos jornais, principalmente do Público e do El Pais, que compro à 2ª feira pela página desportiva e pela crónica de Alfredo Relaño, Memorias a preto y blanco, há muito por onde escolher. Só me preocupa não ter já tempo para ler os livros que ainda quero ler, e são tantos.

O trabalho de recensear arrancou com o confinamento mas perdeu velocidade com o regresso à possível normalidade. A ficção portuguesa, a história de Portugal – História da Colonização Portuguesa do Brasil, o mais valioso, livros temáticos de edição especial, revistas – Vértice, Seara Nova, Jl, O Tempo e o Modo, cinema – banda desenhada (desde as francesas Vécu, Écho des Savanes) às portuguesas, Cavaleiro Andante (que memórias me trouxe a crónica de António Mega Ferreira, A Ceia do Capitão Fracasse: “No Cavaleiro Andante as imagens contavam-me as histórias que ainda não conseguia ler. Para lá de alguma inclinação natural, foi aí que ganhei o gosto pela leitura e pelas literaturas”), Tintim

As edições dos anos 60/70, as que mais me atraem, compro-as por nostalgia e pelo belo das capas de artistas plásticos de renome. Continuo a busca nos alfarrabistas e, felizmente, a Póvoa tem um, bem perto da av. Mouzinho, o amigo Igreja, bom conversador; raramente saio de mãos a abanar. Hoje darei conta de dois livros: Gaibéus, Romance de Alves Redol, Edição Popular, da Inquérito; capa de gravura a preto e branco, não identificada, mulheres, homens e crianças - Trabalhadores que do Alto Alentejo e da Beira Baixa, eles descem pelas mondas e ceifas. Redol avisa que Este romance não pretende ficar na literatura como obra de arte. Quere ser, antes de tudo, um documentário fixado no Ribatejo.

 Na entrada Neo-realismo no Dicionário de Literatura, dirigido pelo prof Jacinto do Prado Coelho, escreve JPA: Em Gaibéus (1940) se pode marcar o aparecimento oficial do movimento sob os auspícios dum realismo lírico que seria a nota dominante da futura obra deste escritor.

Foi-me este livro oferecido pelo amigo, saudoso, Hernâni Campos, médico que não sabia só de medicina com recomendava Abel Salazar. É memória que ficou perpetuada por laços de afinidade intelectual com os livros sempre presentes.

Novas Cartas Portuguesas é uma primeira edição deste livro que tanto indignou os próceres do antigo regime salazarista e que levou ao julgamento das três Marias, escritoras, absolvidas já depois de Abril, que deixaram obra na nossa literatura. Cartas que continuam actuais na longa luta da mulher pela dignidade. Na badana: Novas Cartas Portuguesas são o testemunho colectivo e convergente de três mulheres, três nomes relevantes nas letras portuguesas. Livro actualíssimo pela abordagem ousada da problemática feminina posta em termos radicais e incomplacentes para com a enferrujada maquinaria dos preconceitos ainda vigentes…; nota interessante: o livro foi adquirido em Abril de 1973.

Abílio Travessas

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