É chegado o Setembro, vestido de amarelo, tingindo os edifícios, iluminando as ruas e dando enfoque às campanhas que falam de empatia, de escuta ativa, de acolhimento…
Durante os seus trinta dias, toda a gente parece recordar que a enfermidade também acomete a mente, e reorganiza o discurso, renomeando os teatinos de todos os meses, para ficar bem na fotografia.
Nas redes sociais, multiplicam-se publicações com frases de efeito, convidando à compaixão. Entretanto, no íntimo das suas próprias relações, ironicamente, o ser humano fecha os olhos aos seus. Escolhe não ver, não ouvir, não aceitar…
Na casa ao lado, quem revela a depressão é acolhido com ternos abraços, corações virtuais e palavras de incentivo. Mas, curiosamente, o filho, o sobrinho, o irmão, o parente ou amigo cujas inconsequências marcaram uma vida repleta de tortuosos caminhos, de pealos e peleias, continua a ser chamado de preguiçoso, irresponsável, vitimista... É que as dores dos que nos são mais próximos não cabem em posts inspiradores, pois teimam em revelar que dentro do nosso lar a Perfeição, tão retratadas nas redes, também não reside.
Existe uma geração inteira que, fatidicamente, sustenta esse paradoxo: pessoas adultas que tardiamente foram diagnosticadas com transtornos como a bipolaridade, o autismo, o TDAH, dentre outros, viveram infâncias e adolescências ao léu, sem poder nomear o que sentiam, guardando em silêncio o sentimento de inadequação, a vontade de evadir-se para um plano mais além.
Rotuladas de insolentes, aluadas, mal-criadas, desenvolveram-se compilando fracassos escolares, conflitos familiares, projetos interrompidos, relacionamentos tóxicos… Uma realidade que poderia ter sido muito diferente se o diagnóstico tivesse chegado mais cedo.
São soterradas pelo peso duplo de conviver com o distúrbio enquanto carregam a culpa pelos disparates cometidos no passado. Condenadas pela impulsividade remota que não encontrou rédeas ou domador, pelos vínculos estilhaçados, pelos equívocos que não cabiam no que a sociedade anseia de alguém “normal”.
Poucos são aqueles que afinam os sentidos e lançam um olhar mais atento aos exércitos de um só soldado, considerando que grande parte dessas despropositadas escolhas foram moldadas por um cérebro em luta constante.
E assim caminha a humanidade, de setembro em setembro, clamando à sociedade “não julgueis!”, mas no seio do próprio lar ainda é comum bradar: “tu nunca aprendes!” ou “sempre foi assim!”.
A propaganda reluz no exterior, mas não ilumina os recantos mais próximos. É como acender um holofote no quintal do vizinho e deixar a própria sala submergir na escuridão.
Quem poderia prever que o diagnóstico de um distúrbio poderia constituir um alívio para quem o recebe?!
Pois quem foi negligenciado e silenciado na infância e adolescência, que teve negado o alívio trazido pela terapia ou tratamento, crescendo a acumular cicatrizes sociais e emocionais, consegue agora respirar aliviado por entender que não são seres malditos a quem a sorte virou as costas.
Empeçam a árdua tarefa de tentar reconstruir-se dignamente, ainda que vislumbrem olhares que só enxergam os padrões do passado, não a possibilidade de um futuro diferente.
Algumas pessoas parecem não querer perceber o progresso das outras, ou pior: não querem aceitar que já não as conhecem!
Porque o reconhecimento do distúrbio traz a consciência e a consciência traz a mudança.
Não apenas em setembro, mas todos os dias se faz necessário que a empatia atravesse as paredes de casa, que abrace e acolha não apenas ao desconhecido das campanhas, mas também ao parente à mesa, àquele que feriu e foi ferido. Pois condoer-se pelo vizinho é nobre, mas olhar para dentro da própria família é extraordinário e desafiador! Afinal, de nada nos serve iluminar monumentos se formos incapazes de iluminar o caminho daqueles que dividem connosco o mesmo tecto!
Maria Luiza Alba Pombo