O que é hoje uma tranquila extensão da biblioteca municipal foi outrora um mítico café com um eco-sistema muito próprio onde se cruzavam personagens fascinantes.
Baseado em memórias pessoais polvilhadas com a dose de ficção estritamente necessária à composição da narrativa, convido os leitores a visitar aquele espaço e a conhecer alguns dos que lá trabalhavam.
Estamos em 1970, são sete e meia da manhã de um dia cinzento de inverno. O Diana Bar prepara-se para abrir as portas.
Dores a empregada de limpeza Já passou o chão a pano e limpou as casas de banho. Está agora à entrada a desinfectar um estranho recipiente de esmalte de um metro de altura, com tampa acionada por pedal. Objecto cuja presença é obrigatória em todos os locais públicos que aqui me abstenho de nomear deixando aos leitores mais jovens a incumbência de Googlarem a sua designação, apenas adianto que tem a ver com um velho e generalizado hábito português.
Aprontando o atendimento às mesas o Sr. Estremina e o Sr. José Maria, depois de arrumadas mesas e cadeiras, enchem os açucareiros para distribuir pelas mesas, o açúcar embalado em pacotes individuas só mais tarde se generalizou, alinham chávenas e por fim vestem a jaqueta branca com botões dourados por cima da camisa branca com laço preto.
Na tabacaria a funcionária Flora repõe os maços de tabaco mais vendidos, SG Filtro e Português Suave, separa os jornais diários, Primeiro de Janeiro, Jornal de Notícias e Comércio do Porto e finalmente arruma no balcão as caixas de furos dos chocolates Favorita, os guarda-chuvas de chocolate e pastilhas elásticas Gorila.
Ao fundo no seu púlpito sempre atento a tudo que se passa no Diana Bar o Sr. Mestre, comanda as operações. Personagem singular carregado de estórias e mistérios usa invariavelmente óculos de lentes escuras para melhor observar o que rodeia sem ser notado. Um manto de mistério envolve a sua vida pessoal, o estado civil é desconhecido diz-se em surdina que tem vários descendentes não assumidos. Está na casa dos 50 anos, o corpo entroncado ganhou entretanto algum peso e o rosto começa a denunciar os estragos acumulados de sucessivas noites longas.
Habitualmente a noite começa à volta de uma mesa de jogo na Assembleia na companhia de vários clérigos. Quando a sorte do jogo o bafeja a visita à madame Rosete na Maia é regada a espumante. Quando o jogo não proveu os necessário fundos, a visita é breve e de mera cortesia. A nostalgia dos ringues de boxe que praticara na juventude leva-o a não perder um combate de pesos plumas no Palácio de Cristal e a arriscar uma aposta. O percurso noctívago contempla ainda uma passagem pelo cabaret Pérola Negra no Porto para beber um copo e assistir ao show das maduras bailarinas espanholas (mui) antigas estrelas de cartaz do Comodoro na baixa Lisboeta.
Regressado à Póvoa não se recolhe a casa para um breve repouso sem uma refeição ligeira no restaurante Leonardo. Às sete da manhã está no Diana Bar encarregando-se pessoalmente do café do primeiro café de saco.
João Sousa Lima