Voz da Póvoa
 
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O Passado Presente na Misericórdia da Póvoa de Varzim

O Passado Presente na Misericórdia da Póvoa de Varzim

Local | 19 Maio 2021

Se procura uma prova da pobreza deste país, pode encontra-la na causa nobre que pratica a Santa Casa da Misericórdia da Póvoa de Varzim, uma instituição fundada a 23 de Maio de 1756, por diligência da Câmara Municipal e auxílio pecuniário de Maria Fernandes da Vila Velha. Ao longo dos tempos a área da saúde foi protagonista, mas também o apoio aos idosos e mais necessitados.
Virgílio Alfredo Tavares Ferreira é o Provedor, o homem que não largou o leme quando os ventos trouxeram a tempestuosa pandemia: “Passámos muito bem pela primeira vaga, mas a segunda, em Outubro, foi avassaladora e entrou pela casa dentro, apesar das medidas de protecção e de todos os alertas, não foi possível evitar. Gastou-se muito dinheiro nos equipamentos de protecção individual e desinfectantes, mas nada parou o vírus. Depois, instalou-se um clima de medo que levou as pessoas a adiarem tratamentos de fisioterapia que fornecíamos. Como é sabido, o SNS também sofreu bastante, porque foram adiadas milhares de cirurgias, consultas, exames, estava tudo concentrado na questão da pandemia e a saúde foi adiada. Isso trouxe uma queda de receitas muito significativa. Não há memória de termos nesta casa um resultado de exploração negativo de cerca de 250 mil euros. Estas excepções acontecem, embora nem sempre seja possível prever, mas penso que o pior já passou”.

A realidade da população idosa, que vem para os lares, é muito complicada: “Entram quando as famílias não têm condições para os cuidar e chegam com patologias complicadas, com demências e muita dependência. Isso traz custos muito elevados às Misericórdias. Este Governo tem que olhar para o sector social. Qualquer dia, uma boa parte das IPSS fecham estas valências de Lar e o Estado vê-se com um problema muito complicado, que é cuidar dos seus idosos. Temos que ressalvar a resiliência dos nossos funcionários. Alguns passaram aqui 12 horas por dia para poderem socorrer e cuidar das pessoas. Tivemos alguns óbitos de utentes, mas também idosos que resistiram à doença. É a natureza de cada um que por vezes determina a cura”.

A instituição cresceu para além dos muros da Santa Casa e hoje, apoia também idosos ao domicílio: “Fizemos recentemente uma renovação do nosso parque de viaturas de apoio aos idosos. Apoiamos ao domicílio cerca de 130 pessoas incluindo doentes de Paramiloidose. No plano de emergência alimentar fornecemos mais de 50 refeições diárias. O Centro de Dia já reabriu, mas muita gente tem medo de regressar. A nossa população de idosos e de trabalhadores está toda vacinada. Isso trouxe alguma tranquilidade e permitiu que os idosos tivessem alguma liberdade dentro da instituição, porque continuam a não poder sair, mas não deixaram de ir aos hospitais, a consultas da especialidade. Quando chegavam à instituição tinham que estar 14 dias em isolamento. Isso obrigou a um uso muito intensivo de equipamentos de protecção. Esse período que agora está aligeirado causou-nos problemas financeiros. Na instituição, temos idosos em Lar e nos Cuidados Continuados. Ao todo são cerca de 160 pessoas. Temos 250 trabalhadores e mais 50 em regime de prestação de serviço”.

Outra certeza que Virgílio Ferreira afirma, é o pouco poder de compra da maior parte das famílias poveiras: “Vivemos num concelho pobre. Se avaliarmos as pensões dos idosos que vem para os nossos lares, a maior parte recebe entre 300 e 400 euros. A comparticipação do Estado por idoso no lar é de cerca de 430 euros. Neste momento, o custo total por idoso ronda os 1400 euros. Um problema que o Estado não resolve e a situação social do país tende a agravar-se, principalmente a população idosa que é sempre a mais atingida e que as Misericórdias apoiam”.
 
As Misericórdias fazem o que podem, mas para o Provedor o problema é da responsabilidade do Estado. “Compete ao Estado acompanhar os seus cidadãos, desde o nascimento até à morte. Vivemos num Estado Social, que não o tem em consideração. Não é competente, quer em termos de qualidade, quer em termos de preços-serviço. Daí ter contratualizado e bem, com o sector social, a prestação de serviços, mas esse apoio aos cidadãos é do Estado, que comparticipa com um valor individual por cada uma das pessoas que nós apoiámos. Ou seja, não está a subsidiar as instituições que no terreno dão apoio social, mas a atribuir um suplemento para adicionar à reforma de cada idoso para que seja bem cuidado. Os valores são manifestamente insuficientes face à situação actual, se tivermos em atenção que o salário mínimo tem crescido significativamente e os bens consumíveis ou comestíveis também. Depois, a maior parte das famílias não tem condições para ajudar a cuidar dos seus idosos. A situação está a tornar-se incomportável e o Governo não pode adiar por muito mais tempo o reforço do apoio às instituições da área social. Alguns serviços correm o risco de encerrar porque são manifestamente incomportáveis sobre o ponto de vista financeiro”.

A Misericórdia Reforça a Comodidade e Investe na Saúde

As obras de requalificação dos edifícios existentes e de um novo que está a ficar concluído, só deverão ser inauguradas no final do ano: “Não vamos aumentar a capacidade em termos da estrutura residencial, mas vamos melhorar as condições de trabalho e de alojamento dos idosos, com quartos mais espaçosos e melhorar os edifícios, sobre o ponto de vista térmico, também para diminuir despesas energéticas. Com a pandemia, as obras tiveram um ritmo mais baixo, mas prosseguiram. É um conjunto de obras em curso cujo orçamento global supera os 3 milhões de euros, porque se trata da construção de um edifício novo e da requalificação dos lares existentes como melhoramentos exteriores. Substituímos também as coberturas junto aos jardins. Pretendemos ainda fazer uma sala polivalente para ocupar melhor os nossos idosos. Concorremos a um programa do BPI para quebrar o isolamento dos idosos que vivem sozinhos no seu domicílio. Vamos fornecer-lhes meios técnicos para estarem em permanente comunicação com a Santa Casa. Trabalhamos e temos enfermagem 24 horas por dia, qualquer coisa que precisem, basta ligar para cá. O sistema também permite detectar quedas que prontamente podem ser assistidas, se necessário, pela nossa equipa. Vamos implementar um sistema que vai melhorar a vida dos idosos que acompanhamos”.

Os projectos da Misericórdia vão mais longe, segundo Virgílio Ferreira: “Temos já um parceiro e vamos lançar o projecto de uma pequena unidade de saúde, junto ao Centro de Saúde, uma ideia antiga. Tínhamos um terreno ao lado de uma casa que estava na posse de um Banco e negociámos a sua compra para alargar o espaço a edificar. Está na fase de projecto o desenvolvimento de uma pequena unidade de saúde dedicada à hemodiálise, à imagiologia, cardiologia, gastroenterologia, psiquiatria e outras valências, áreas médicas que interessam essencialmente à população idosa”.

É a instituição à procura da sua própria sustentabilidade: “Sim, mas também um regresso às suas origens. A Misericórdia começou, essencialmente, por trabalhar na área da saúde e está de novo a fazer essa aposta. A exemplo disso a fisioterapia revelou-se uma área muito importante para a população idosa. De certa forma, a Misericórdia desde a sua origem foi fundamentalmente voltada para a população idosa, seja nas áreas de intervenção social ou na saúde. Sabemos que a população idosa está a crescer no país, por isso devemos preparar o futuro para essas pessoas que vivem cada vez mais tempo e é imperativo assegurar que o façam com qualidade de vida”.

Virgílio Ferreira reconhece também a importância do apoio da autarquia: “É pontual, mas sempre bem-vindo. Nas obras que estamos a fazer, foi um apoio através do PEDU, um programa específico para o desenvolvimento urbano e que o Presidente da Câmara entendeu, dada a necessidade de renovar as instalações da estrutura residencial, canalizar parte da verba que estava alocada ao Município, para esta obra. É uma parte dos custos da reformulação de todos os edifícios que constituem o edificado da Misericórdia da Póvoa de Varzim. A autarquia também tem que ser felicitada por, dadas as necessidades da população, ter facilitado o alargamento das instalações e melhorar as condições de funcionamento. Acho que foi uma boa aposta do presidente da Câmara em ceder um edifício contíguo ao Hospital, que tem prestado um bom serviço à população, e desta forma, não só mantém como pode receber novas especialidades”.

Na Santa Casa o Futuro é uma Exigência do Presente

Os apoios à Misericórdia escasseiam e cada vez há menos doações: “Mesmo a Irmandade da Misericórdia nunca contribuiu significativamente. Na revisão estatutária que foi feita há poucos anos, a questão veio a lume e ficou determinado que compete aos irmãos ajudar a Misericórdia. Este ano, foi enviada uma carta aos irmãos no sentido de os chamar à Misericórdia e lembrar-lhes que têm o dever de ajudar a instituição. Esse auxílio pode ser financeiro, pode ser na gestão da Santa Casa com as suas capacidades e competências ou usando os nossos serviços de saúde. A Irmandade não pode estar divorciada da Misericórdia. Os irmãos ou a população em geral podem usar os serviços de fisioterapia, que são de elevado nível, é uma forma de ajuda indirecta. A instituição não tem fins lucrativos. Tudo o que possa recolher é para ajudar pessoas carenciadas. Temos há vários anos a cantina social em funcionamento e continuamos a apoiar muitas pessoas e a servir refeições de boa qualidade. Mais uma vez, o apoio do Estado é insuficiente”.

Nas questões reivindicativas, Virgílio Ferreira reconhece a importância da União das Misericórdias. “É um interlocutor importante com as autoridades e com o Governo, que não tem ouvido estas instituições ou as IPSS em geral. Esse sentido associativo reforça as instituições ligadas ao sector social, que reclamam a atenção do Governo. O apoio social é determinante para a qualidade de vida das pessoas e compete ao Estado comparticipar de maneira condigna e de acordo com os custos da prestação de serviços prestados à população”.

O compromisso de um Provedor é cumprir com os estatutos, depois os sonhos: “Temos que fazer o melhor pela gestão de uma casa como esta, mas todos os dias sonhamos. Não é só a Unidade de Saúde que queremos construir, pretendemos tornar o edifício residencial, junto à paramiloidose, numa sede administrativa, um espaço que nos falta para alocar melhor os nossos serviços. Temos também em projecto a recuperação da nossa igreja da Misericórdia, que é emblemática para a instituição e para os poveiros. Vai ficar aberta ao público com horário mais restrito e deixará de ter culto aos sábados. Todos os dias há sonhos, no sentido de melhorar o nosso património e toda prestação de serviços”.

Por: José Peixoto

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