Voz da Póvoa
 
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A Importância de uma Verdadeira Acção Social

A Importância de uma Verdadeira Acção Social

Local | 4 Novembro 2020

Uma cidade, um concelho, uma família. Utopia ou o caminho do perfeito, do ideal, mas também podemos chamar-lhe quimera, fantasia, sonho. Para quem nunca vê o outro como seu semelhante, Utopia encontra-se no espaço do irrealizável. Há no entanto, quem consiga imaginar e dar passos no sentido de uma sociedade mais justa, seguindo políticas públicas de coesão social.

Contudo, num país com tantas desigualdades sociais, agravadas primeiro pela crise de 2008 que provocou uma depressão prolongada da economia, depois, paralisado pela Covid-19, como responder em tempos de pandemia a uma emergência social?

Razão esta que, nos levou a uma longa conversa com Andrea Luísa Neiva Maia da Silva, responsável pelos pelouros da Coesão Social e Gabinete do Munícipe. A Vereadora que integra o executivo da Câmara Municipal no seu terceiro mandato pelo PSD, nasceu na Póvoa de Varzim em 1979, estudou na Escola Flávio Gonçalves, seguiu para a Escola Rocha Peixoto e fez a licenciatura na Universidade do Minho, em Relações Internacionais, Culturais e Políticas.

“Foi a parte nobre da política que me fascinou e quando terminei o meu curso achei que me devia envolver com a causa. Só podemos estar na política com um sentido de missão. Antes de ser eleita vereadora do município, tinha apenas a experiência que adquiri ao longo dos 4 anos que trabalhei como assessora de Luís Diamantino. Posteriormente, o Presidente Macedo Vieira achou por bem atribuir-me este pelouro, talvez porque se adequava ao meu perfil e às necessidades exigidas, entre outros que assumi. Foi um desafio que iniciei há 11 anos, onde tenho acompanhado esta área de actuação, naquilo que considero ser, verdadeiramente uma rede social na Póvoa de Varzim”, afirma.

Para Andrea Silva, a Acção Social do município, na última década, soube sempre dar resposta às solicitações: “Nos momentos de maior crise que o país atravessou foi necessário um apoio excepcional. Para dar uma resposta adequada, num período onde muitas pessoas viveram com graves problemas económicos, resolvemos, através do Orçamento Municipal, criar um Fundo Local de Emergência Social, com 150 mil euros para ajudar nas carências e nas necessidades básicas das famílias. Acho que esse foi um ponto de viragem nestes dez anos de projecto, algo que marcou a diferença, porque as dificuldades que as instituições começaram a ter, nomeadamente a Segurança Social, levaram-nos a ser o complemento de apoio às famílias. A importância da coesão territorial passa e muito pela coesão social. Começamos a complementar e a emparelhar todas as necessidades, para perceber até onde podíamos ajudar as pessoas. A comunidade só está bem se as pessoas estiverem bem. Tem sido essa uma preocupação constante, nomeadamente nesta fase da pandemia, que foi mais aguda”.

Os alicerces do passado ajudaram a combater as necessidades do presente: “Nós temos um serviço estruturado para aquilo que são as carências diárias das pessoas que nos procuram e contactam a pedir ajuda ou apoio. Todos os técnicos sabem o que fazer. Se bem que, nem todos estavam a trabalhar nesta área, porque nesta fase, quando foi declarado o Estado de Emergência e, o Presidente, Aires Pereira declarou como sectores prioritários, a Protecção Civil, a Polícia Municipal e os Serviços de Acção Social, também reforçamos com funcionários que não estavam afectos a este serviço, para nos ajudarem na prestação de cuidados às pessoas. Acho que foi para nós uma oportunidade para fazermos aquilo que estamos vocacionados e todos se mostraram disponíveis, mesmo aqueles que não tinham um trabalho diário na Acção Social, estiveram connosco todos os dias, incluindo fins-de-semana, sempre com vontade de ajudar, de levar as refeições a casa das pessoas e de as atender ao telefone. Foi para todos uma experiência única, por serem funcionários do município, estarem em função pública e terem desempenhado o seu papel com um sentido solidário”.

As Pessoas Estiveram Sempre em Primeiro Lugar

Como é que se chega a uma pobreza silenciosa, a uma pessoa ou família que não mostra as necessidades ao mundo: “Temos a Rede Social do Concelho que é composta por todas as instituições de solidariedade social, pelas escolas, juntas de freguesia e associações do concelho. Qualquer uma delas, quando detecta uma situação a precisar da nossa intervenção, contacta-nos. É dessa forma que nos chegam as solicitações. Há também pessoas que se dirigem directamente ao serviço, outras telefonam e percebem que deste lado está alguém em quem podem confiar. Nós não queremos de forma alguma que as pessoas se sintam feridas na sua dignidade. Por isso, é um trabalho muito silencioso e de sigilo entre técnicos e a equipa da Acção Social. A ideia é que, as pessoas se sintam à vontade para nos procurarem e percam a vergonha. As pessoas precisam dessa segurança para perceberem que estamos aqui disponíveis para as ajudar, que podem contar connosco e que a situação delas não vai ser exposta nem beliscada. Essa é a nossa preocupação maior”, garante Andrea Silva.

A proclamação do Estado de Emergência, algo que nunca o país tinha vivido, gerou medos nunca vistos, afirma a Vereadora da Coesão Social: “Efectivamente, foi um período em que as pessoas recorreram muito aos nossos serviços. Não queriam sair de casa, nem nós queríamos que o fizessem. Como ninguém sabia ao certo o que se passaria a seguir, se poderia voltar aos empregos, sendo que aqueles que tiveram que continuar a trabalhar, ficaram assustados por correrem riscos. Este pânico generalizado, aumentou exponencialmente os serviços de apoio. Desde o início do Estado de Emergência, definimos uma série de medidas para que todos cumprissem da melhor forma o isolamento a que fomos obrigados. Desde logo, as pessoas não precisavam se deslocar, nós é que nos deslocávamos. Chegamos a entregar na casa das pessoas, no período de confinamento, 7921 refeições. Entregámos também 335 cabazes alimentares que chegaram a 1020 beneficiários. Em conjunto com as juntas de freguesia, montamos um serviço de entrega ao domicílio destes cabazes”.

E acrescenta: “Criámos uma linha de apoio psicológico para atender as chamadas das pessoas que precisavam de ajuda. Fizemos entregas ao domicílio de medicamentos, que nos eram solicitados por pessoas idosas. Tivemos uma preocupação muito grande com os idosos que frequentavam os Centros Ocupacionais, os que estavam sozinhos em casa ou nas habitações sociais. Montamos um serviço para os contactar diariamente, para fazermos pontualmente visitas com todos os cuidados de protecção necessários. E com isso salvamos vidas. Tivemos uma atenção redobrada com os Centros Sociais e Lares de idosos, articulámos a coordenação com conversas que permitiam saber o que estava a acontecer e se era necessário alguma coisa. Fizemos também um apoio logístico aos grupos de voluntariado, um deles reuniu uma série de material cirúrgico, entre outro produtos e confiou-nos a missão de entregar a quem precisasse, quer fosse ao Centro Hospitalar ou às IPSS. Desde Álcool Gel, equipamentos de protecção individual ou alimentação”.

Curiosamente, no período mais crítico, a Bolsa Concelhia de Voluntariado cresceu, revela Andrea Silva e aponta outras prioridades: “Tínhamos que controlar de tal forma o serviço para proteger os funcionários, que o voluntariado que estava em grande expansão, sofreu um retrocesso, porque tivemos que os salvaguardar, dispensando-os numa primeira fase. Criámos o centro de retaguarda em Rates, na Casa Escola Agrícola, para que se algo corresse mal nos Lares, tivéssemos uma solução. O serviço está activo, se for necessário, apesar da escola ter começado a sua formação, mantivemos lá o espaço e as camas. Se houver necessidade, conseguimos instalar as pessoas não infectadas com alguém responsável. Foram várias medidas de uma vez só que, tivemos que implementar e pôr em prática. Além de que, no início, tínhamos a funcionar o Covid-Drive, acumulamos o apoio e gestão de chamadas que chegaram a atingir 500 por dia. O inicio foi muito exigente, mas criámos todas estas respostas e equipas, fomos busca-las a vários sítios para cobrir tudo o que fosse necessário. Com o levantar do Estado de Emergência, a passagem ao de Calamidade e depois ao de Contingência, a população foi adaptando-se à ideia de que todos tínhamos que viver com isto e, regressar à vida de cada um. Isso atenuou ligeiramente a nossa intervenção. De momento, os pedidos estão a crescer porque começam a surgir verdadeiramente as questões sociais. Com o lay-off, algumas empresas aguentaram-se, mas outras estão a fechar portas e, verificamos um aumento de pedidos de apoio, devido ao desemprego”.

Um Apoio Orçamental à Disposição das Necessidades

“Todos os anos temos 150 mil euros atribuídos para socorrer as situações que nos vão surgindo. Este ano, o Presidente da Câmara assumiu desde o início da pandemia que, seria colocado à disposição das urgências das pessoas, o Fundo que fosse necessário. Neste momento, vamos fazer um reforço da verba para que ninguém fique de fora, neste crescimento de pedidos de ajuda. Não podemos deixar ninguém correr o risco, de não ter medicação para tomar ou perder a habitação por uma questão pontual, que depois, com emprego, pode resolver. Temos colocado à disposição das pessoas, todas as medidas possíveis e disponíveis para ajudá-las. Quando há mais pessoas a precisarem de ajuda, temos que distribuir ainda melhor, por isso, tem sido importantíssima a coordenação entre os vários serviços. Temos um mapa digital onde conseguimos saber quais as freguesias com mais solicitações e diariamente, desde o início da pandemia, conseguimos contabilizar tudo, todos os apoios que demos, tudo o que autorizamos e coordenamos com outras entidades, para que a ajuda possa chegar a mais gente. A coordenação com as associações e juntas de freguesia entre outras, permite evitar a sobreposição de apoios. Era importante ter um único interlocutor para que pudéssemos cruzar dados. A própria Rede de Emergência Alimentar, do Banco Alimentar contra a fome, enviava-nos a listagem das pessoas que solicitavam apoio”, confidencia Andrea Silva.

Em todo este processo, as Autarquias acabaram por fazer o papel do Estado e evitaram males maiores: “Se não fossemos nós, todos os dias e horas necessárias, a estar no terreno, nem quero imaginar o que se teria instalado, porque não tenho dúvidas que o Estado não respondeu às necessidades das pessoas. Conhecemos os serviços públicos, grande parte fechou e foram para teletrabalho, como as Finanças ou a Segurança Social, respondem ao telefone, mas todas as dificuldades de comunicação aumentaram. Nós estivemos sempre cá, mais próximos, quer seja as equipas de atendimento ou equipas da Cruz Vermelha de apoio à vítima, a Polícia Municipal, o Serviço de Protecção Civil, estas pessoas todas estiveram próximas e de portas abertas e coordenadas connosco. De facto, as autarquias fizeram a diferença daquilo que foi a necessidade efectiva das pessoas durante o Estado de Emergência, em que não se podiam deslocar para lado nenhum. Com toda a honestidade não acredito que alguma vez venhamos a ser ressarcidos deste papel. Nós assumimos todos estes apoios porque achávamos que não podíamos deixar as pessoas sozinhas e que, tínhamos de estar do lado delas e das suas necessidades. Somos o rosto mais próximo, conhecem-nos e batem-nos à porta. O Estado é uma coisa muito longe e as pessoas não sabem muito bem a quem reclamar ou dirigir-se. Connosco é mais fácil e nós sabemos que temos esta responsabilidade, esta missão de ter as portas abertas para os nossos munícipes e foi isso que fizemos”.

Nunca o poder local foi tão solicitado a intervir e por vezes, teve mesmo que ser anti-popular: “Ser decisor político não é fácil e às vezes somos chamados a tomar medidas nem sempre bem compreendidas por todos. Quero acreditar que a maioria das pessoas tem consciência que as medidas tomadas, foram com o objectivo de assegurar no presente um futuro melhor. Numa situação tão difícil como esta, acho que seriamos irresponsáveis se não tomássemos estas decisões. Estar deste lado nem sempre é fácil, porque sabemos que estas medidas têm implicação directa na vida das pessoas. Para que uma medida impopular possa depois ser compreendida, é preciso que as pessoas percebam que fizemos o possível para mitigar os estragos”.

Uma Vida na Política e Outra Em Família 

Há projectos planeados a longo prazo para assegurar as bases do futuro: “Temos no nosso Plano de Acção Social, programas e medidas que sabemos, serão uma prática no próximo ano. Temos que perceber sempre qual é o passo seguinte a dar para melhorar o serviço de intervenção ao nível social. É um trabalho contínuo e programado a longo prazo. Depois, há o imediato e a curto prazo que nos obriga a reagir de forma rápida, a criar alternativas e respostas para necessidades inesperadas. Em períodos mais calmos, podemos trabalhar com maior tranquilidade e programar a tempo e horas, mas o momento é de adaptação. Para além da crise e da pandemia, não podemos esquecer as outras áreas de intervenção e por isso, continuamos a dar a formação sobre o Autismo, continuamos a preocupar-nos com a igualdade de género. Ou seja, mantemos todas as outras acções mas, de um modo diferente, adaptado à nova realidade, não tão frequente quanto gostaríamos”, realça Andrea Silva.

E complementa: “Esta preocupação com o Desporto Sénior, que neste momento não o podemos fazer, os Centros Ocupacionais que ainda estão fechados, são medidas que vão contribuir para um envelhecimento saudável, activo e de bem-estar. Custou-nos muito encerrar os Centros, porque criámos hábitos de vida saudáveis. Não podíamos abandonar estas pessoas, por isso, mantivemos sempre contacto. É importante saberem que podem ligar e que estamos aqui. Quando iniciamos o Projecto Cidade Amiga das Pessoas Idosas, que ainda não está terminado devido à pandemia que vivemos, a nossa preocupação era que as pessoas, mesmo com 90 anos, tivessem um objectivo de vida”.

Andrea Silva reconhece que em política, há uma avaliação constante que não a intimida: “Quando a responsabilidade nos chega, percebemos que somos avaliados no que fazemos, constantemente. Estamos a colocar-nos à prova, mas também, toda uma equipa com quem trabalhamos. Penso que gostar do que fazemos, é um passo no caminho de quem nos acompanha, porque percebe que estamos aqui para liderar, mas também para colaborar. Depois no município, temos por hábito não falar muito destas questões, queremos que as pessoas percebam que podem contar connosco dentro do que é possível fazer, que nós guardamos a vida de cada um e a sua dignidade está protegida. Damos muito apoio social, mas não esquecemos as outras áreas que nos têm sido muito queridas e ficamos naturalmente muito satisfeitos, porque nestes últimos três anos conseguimos a Bandeira de Autarquia Mais Familiarmente Responsável, alcançámos o reconhecimento como Marca Entidade Empregadora Inclusiva no município e este ano, já em tempo de pandemia, conseguimos ser reconhecidos como Comunidades Pró-Envelhecimento. É bom percebermos que o nosso trabalho diário tem tido repercussão e é reconhecido por outros. Mas, para quem está na política, se quer continuar, tem de perceber que o princípio é a missão pública. A vida de um político no dia-a-dia é muito exigente. Depois, tem que haver um equilíbrio entre a gestão familiar e a gestão do trabalho, que reconheço, no meu caso, a família fica bastante prejudicada”.  

Por: José Peixoto

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