Voz da Póvoa
 
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Grupo Folclórico de Cantares e Danças “Os Camponeses de Navais”

Grupo Folclórico de Cantares e Danças “Os Camponeses de Navais”

Freguesias | 10 Julho 2020

Os usos e costumes foram a fonte onde o Grupo Folclórico de Cantares e Danças “Os Camponeses de Navais”, que nasceu em 1983, foi beber. Por isso, pouco tempo depois da sua fundação, um apurado trabalho de pesquisa etnográfica, recuperou para o grupo, trajes característicos, de diversas fainas agrícolas ligadas ao campo e à festa. Daí, a sua actividade cultural ter sido baseada no respeito e no rigor de uma tradição.

As aplaudidas danças e cantigas nasceram da terra, como as modas de terreiro, e os cantares de trabalho, que são parte importante do seu reportório e que já viajaram por imensos festivais nacionais e internacionais. Também levaram a nossa memória etnográfica a Espanha, França, ilhas da Córsega, da Madeira e Açores. O Grupo mais genuíno do folclore concelhio está filiado no INATEL e é há mais de uma década, membro efectivo da Federação do Folclore Português.

José Serra Moura nasceu em 1949, em Navais e é o presidente do Grupo Folclórico de Cantares e Danças “Os Camponeses de Navais”, desde a sua fundação: “Os primeiros passos foram dados por um acordeonista, o Manuel Costa, que começou a ensaiar um grupo e os meus filhos eram componentes. No mesmo ano vieram cantar as janeiras a minha casa. Com uma viola acompanhei-os e acabei por entrar no grupo que estava a nascer. No início, em 1983, o Grupo Folclórico esteve ligado ao Centro Desportivo, mas a dança não se dava bem com a bola e tivemos que arrepiar caminho criando a nossa própria associação, em 1985. Sou sócio fundador”.

A memória dos primeiros tempos arrasta consigo a razão de uma actualidade respeitada: “Cada um comprava as suas roupas, sem pesquisa, tudo muito bonito, corria-se muito no palco e as pessoas gostavam das cantigas que ouviam. Um dia comecei a perceber que aquilo por bonito que fosse não tinha sentido e chamei o presidente da Federação do Folclore Português, para assistir a uma atuação, com a intenção de federar o grupo. Só não foi uma desilusão porque eu já imaginava o resultado. Disse-nos que era tudo para enterrar, porque nada daquilo era verdadeiro. As reacções não foram as melhores, mas se queremos ter dignidade no que fazemos temos que saber lidar com a verdade. Falei com as pessoas o que pretendia e toda a gente concordou assumir a mudança. Fizemos uma grande pesquisa de como se vestia na terra e na vizinhança, através de fotografias antigas e da memória dos mais velhos”.

E José Serra acrescenta: “Começamos a confeccionar os trajes tradicionais e fizemos uma recolha de canções do povo, umas com músicas e outras sem música. Aquele ritmo acelerado de bater o pé nas danças perdeu-se, mas ganhamos o que era verdadeiro e fazia parte da tradição da terra. O povo antigamente não complicava, ia a uma romaria e dançava, não ensaiava primeiro para depois ir à festa. O folclore tradicional era assim. O Chula, a Vareira, o Regadinho, todas essas danças já vinham de um tempo passado e toda a gente sabia dançar. O certo é que seis meses depois estávamos federados e a partir daí começamos a ter convites para participar em festivais importantes com grupos federados e verdadeiros na tradição das suas gentes. Estar federado é um selo de garantia e que temos que defender anualmente porque estamos sempre a ser avaliados. Estamos na categoria de sócios efectivos que é o topo da tabela. Isto requer muito trabalho para quem gosta de folclore e leva a tradição a sério”.

Os Camponeses de Navais acabam por representar todos os trajes e classes: “O folclore tem que representar o dia-a-dia da terra, a espontaneidade do canto que ia ficando na memória do povo, uma poesia da tradição oral. As pessoas eram pobres e usavam o traje comum em qualquer trabalho. Havia o traje para ir à feira, que era o mesmo com mais um avental e um lenço novo. Depois, havia o traje domingueiro e os mais abastados lavradores tinham um traje de melhor tecido, melhor corte”.

O amadorismo de cerca de meia centena de elementos que compõe o grupo, sempre que há deslocações, há obrigações, explica José Serra: “Envio cartas para os professores dispensarem os alunos que dançam no grupo, às empresas para dispensarem o funcionário. As pessoas vão por gosto, passeio e até perdem de trabalhar. Também usamos a regra da dignidade. É melhor participar em menos espectáculos e ser bem tratado. Não se pode fazer 600 quilómetros para dançar dez minutos e comer uma sandes e uma sopa. Antigamente a Câmara dava mil euros a cada grupo e transportes. Agora dá quinhentos e sem transportes. Temos que organizar eventos para angariar receitas, mas se não fosse a carolice das pessoas isto já tinha acabado. Está prometido há três anos pela autarquia a cobertura do recreio da escola do Outeiro, onde temos a nossa sede. A cobertura permitia organizar festas para angariar receitas. Espero que se concretize mas creio que não vai ser este ano”.

E faz um apelo: “O Grupo Folclórico é acima de tudo da freguesia, mas há quem não pense assim. Somos uma entidade que não é de ninguém em particular, toda a gente devia apoiar, incluindo a Comissão de Festas, mas quem sabe, talvez um dia as coisas mudem. Nós só somos bem-vindos se as entidades competentes apoiarem, mas como já dei o que tinha a dar, o que deixar é tudo lucro”.
O viajado percurso dos ‘Camponeses de Navais’ deu para conhecer o traje da tradição tradicional de todas as regiões do país, reconhece José Serra: “Só lidamos com grupos federados e logo encontramos a verdade da terra. Somos o país mais genuíno do mundo em termos de traje e tradição. Nós representamos o povo tal como ele era. É preferível ter meia dúzia de grupos tradicionais verdadeiros do que dúzias deles que são uma mistura de tudo e de nada. A Federação mandou uma relação dos grupos folclóricos a sugerir às autarquias o favorecimento dos federados, com um subsídio superior, para incentivar os outros a fazerem uma recolha profunda que os leve para a verdadeira tradição e representação dos cantares da terra”.

Em tempo de pandemia o Grupo Folclórico está parado e a retoma da sua actividade ainda é uma incógnita. “É uma tristeza, nem conseguimos ensaiar. Este é um ano para o tecto e não sabemos se quando isto acabar vamos ter gente suficiente. É muito tempo parado e perde-se o hábito. No entanto, acredito que as pessoas vão voltar, porque sentem-se honradas em vestir a pele da terra e a sua tradição”, conclui José Serra.

 

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