Há uma certa embriaguez civilizacional na obra do Pessoa que, além das outras pessoas saídas de si, consegue disseminar-se por tantos outros artistas, por tantas outras artes. Pessoa nunca foi uma só pessoa, e julgo saber que também nós guardamos no nosso imaginário, outras pessoas.
Biografar uma vida não é mais que apagar outras tantas, por serem irrelevantes ou simplesmente por desconhece-las. Acrescentar vidas é chegar a mais inquietações do poeta. Esculpi-lo é dar-lhe um rosto, um corpo, uma cor, um sentimento, é libertarmo-nos da pessoa, da nossa incapacidade de a guardar. Somos frágeis inabitáveis, temos necessidade de deixar sair do pensamento, da reflexão a matéria, para que respire, ocupe espaço, ganhe casa, humanidade.
Foi o que se revelou no Núcleo Museológico de Rates, no dia 10 de Outubro, com a inauguração da exposição “Fernando Pessoa e seus heterónimos” de Carlos Oliveira, natural de Caldas da Rainha e ao serviço da arte nas últimas quatro décadas.
Aos presentes, o curador, Paulo Sá Machado, no seu discurso agradeceu “ao Carlos Oliveira ter aceitado o convite para esta exposição, que é um encantamento”.
Por sua vez, num olhar sobre as obras expostas, Carlos Oliveira explicou os sentidos e razões da criação: “As cores dadas a cada obra estão abertas ao entendimento de cada um”. O que nos foi dado a observar foi a interpretação de um investigador amigo do escultor, “o Ricardo Reis é o vermelho, o Álvaro de Campos o azul, o Alberto Caeiro o verde e o preto é o Pessoa”. Carlos Oliveira revelou não ser um entendido em Pessoa, mas do que “li do Desassossego, criei umas peças que baptizei de ‘Fragmentos’, peças que podem ser vistas de vários ângulos”, tal como Bernardo Soares nos quis inquietar com a sua vida oculta e as suas dúvidas quando interpretou Fernando Pessoa no Desassossego. Porque, “os nossos filhos, as obras, são actos de parir”. Depois, “como artistas precisamos de portas que se abrem e pontes que se criam”, numa alusão ao amigo Paulo Sá Machado. “Estou aqui por gratidão”, confirmou o escultor.
Para Paulo João, Presidente da Junta de São Pedro de Rates: “Somos uma terra que tem feito um trabalho muito interessante na área cultural, neste e outros espaços, mas nas últimas duas décadas temos tido no Núcleo Museológico de Rates um conjunto de exposições muito interessantes”, e que tem um responsável, Paulo Sá Machado, que merece o “reconhecimento da Junta de Freguesia pelo trabalho exemplar”.
Por último, Luís Diamantino, Vice-Presidente e Vereador da Cultura da Câmara Municipal, referiu em primeiro lugar que “estamos todos gratos pelo trabalho que fez aqui em São Pedro de Rates durante estes anos”, num agradecido elogio a Paulo Sá Machado. Em relação à exposição que se pode visitar até 10 de Novembro, “nem sempre damos valor àquilo que temos, é preciso outros olhos nos reconhecerem esse valor”.
Texto e Fotografia: JP