Na escola dos Refojos, os ‘pele de couro’, filhos das gentes da terra cultivada, diziam que viviam na aldeia de Aver-o-Mar, mas os ‘araus’, filhos de pescadores-seareiros moravam em Abremar, como se o mar abrisse para oferecer do seu peixe. O certo, é que de todos os pontos da freguesia, mesmo nos mais distantes, em cada olhar o sol se punha a ver o mar.
Este é o retrato dos filhos da terra como Carlos Alberto Maçães Gondar que nasceu em 1967, em Aver-o-Mar e é presidente da Freguesia há quase 20 anos, sendo que nos últimos 11 anos assumiu a presidência da União de Freguesias Aver-o-Mar, Amorim e Terroso. No entanto, este é o seu último mandato.
Antes de ser eleito Presidente, como independente nas listas da UAAT – A Força da União, foi membro da Assembleia de Freguesia durante dois mandatos em parceria com José Rebelo na oposição, era então Manuel Figueiredo o Presidente da Junta.
“Cheguei à presidência da Junta através de um desafio feito por quatro jovens. Na altura, ajudávamos o padre Joaquim a angariar fundos para a construção do Centro Social e Paroquial de Aver-o-Mar. Organizávamos cortejos, noites de fado, sempre com o objectivo de ajudar a custear as obras. Era um tempo em que a Freguesia estava muito parada e com o seu desenvolvimento consequentemente adiado. Um dia, esses amigos lançaram-me o desafio de avançar com uma lista independente e, para surpresa de muitos, ganhámos por 27 votos”, recorda.
Como encontrou os serviços administrativos da Junta? “Quando aqui cheguei, tínhamos uma casa desorganizada, com um fax, uma fotocopiadora e rigorosamente mais nada. Acertámos as prioridades para organizar a Junta, de forma a começar a pôr em prática o nosso projecto, o que podíamos oferecer em serviços e infraestruturas necessárias para melhor servir a população. Recordo que a primeira obra foi dotar a rua José Moreira Amorim com passeio desde o Ciclo até Santo André. Quando andava a dar aulas de instrução de condução, fazia-me uma certa confusão ver os miúdos irem do Ciclo aqui de Aver-o-Mar para Aguçadoura, pela estrada sem qualquer passeio. Negociámos com os proprietários dos campos agrícolas e num ano resolvi um assunto que todos diziam ser impossível”.
Recuar duas décadas é encontrar uma freguesia a olhar o mar entre lixo e barracas: “Não foi fácil convencer as pessoas. Quando chegámos à Junta, a entrada de Aver-o-Mar pela rua do Farol era aquela paisagem de barracas. Na altura, o Presidente da Câmara, Dr. Macedo Vieira, achava que íamo-nos meter em barulho, mas nós avançámos mesmo sem a ajuda das máquinas da Câmara. Com a minha equipa resolvemos começar a limpar aquele lixo todo com o nosso trator. Depois, na parte final, a Câmara já nos veio ajudar. O Dr. Macedo Vieira percebeu que as pessoas aceitaram bem a limpeza daquela zona, arrumámos com as barracas e obrigámos os ratos a procurar outras moradas. A partir daí nunca mais nos faltou ajuda da Câmara”.
As limpezas continuaram a mudar o cenário da freguesia, também com a ajuda da Câmara: “Outro lugar que estava cheio de sucata, carros velho, resíduos de obras, redes de pesca, era o Largo do Emigrante. Ou seja, começámos por limpar a Freguesia e não foi tarefa fácil, nem pouco demorada. As pessoas já se esqueceram disto, mas em Aver-o-Mar havia o hábito de pôr a roupa a secar em estendais montados nas areias da praia. Um bom exemplo encontrava-se num terreno junto ao moinho da escritora Luísa Dacosta. Também conseguimos convencer as pessoas a desistirem dos estendais e limpámos tudo. Concluídas as limpezas, passámos a olhar para as outras prioridades com que nos tínhamos comprometido”.
Centro de Saúde foi uma Conquista do Poder Local
“Na altura, Aver-o-Mar, às quartas-feiras tinha um médico numa lojinha, uma espécie de consultório que não servia a Freguesia, muito menos as pessoas com problemas de saúde. Tenho que reconhecer que recebi a ajuda preciosa do senhor Terroso que na altura estava à frente do PS Póvoa. Depois de marcar uma reunião, fomos ao Ministério da Saúde a Lisboa reivindicar que queríamos um Centro de Saúde para Aver-o-Mar. Fomos muito bem recebidos, mas disseram-nos que não era possível construir o Centro de Saúde porque o Ministério não tinha nenhum terreno em Aver-o-Mar. Durante a conversa colocou-se a possibilidade de arranjarmos nós o terreno”.
Como conseguiu a aquisição do terreno? “A missão de um autarca é nunca desistir. Os pais do senhor Manuel do Monte tinham deixado uma casa que podia perfeitamente, ser sujeita a obras de adaptação e ser instalado o Centro de Saúde. Falei com ele e a sua esposa dona Irene, no sentido de doarem a casa à Junta. A resposta foi – se é para construir o Centro de Saúde, a casa já é da freguesia. Marcámos uma nova reunião que aconteceu na delegação de Saúde do Porto. Como disponibilizámos a casa e o terreno, a resposta foi positiva e avançámos com o projecto. O arranque da obra teve os entraves do costume e foi necessário pôr os pés ao caminho. Fui pessoalmente a casa do Dr. Manuel Pizarro, que ocupava o cargo de Secretário de Estado Adjunto da Saúde e que se comprometeu a resolver o problema. A construção avançou, mas as obras ainda não estavam concluídas e o Governo quis encerrar o Centro de Saúde em Aver-o-Mar. Mais uma vez, mobilizámos a população e fomos em autocarros para o Porto tentar reverter a situação. O Eng.º Aires Pereira acompanhou-nos nesse propósito e conseguimos que o Governo recuasse. A população esteve sempre comigo nesta e noutras lutas”.
A Feira Semanal depois de ter ocupado espaços com poucas condições quer para o comerciante quer para o cliente, tem hoje um lugar mais apropriado, mas em terreno particular. Para quando um espaço definitivo para a Feira? “Foi outra luta ganha. A Feira para além da sua desorganização não rendia nada para a freguesia e tivemos que criar normas de ocupação de espaço que passou a ser pago. Não foi fácil convencer os feirantes, mas tudo acabou por se organizar e hoje é uma boa fonte de receita para a freguesia. Actualmente, a Feira está instalada num terreno particular arrendado à freguesia por 2000 euros ao ano. Naturalmente, o ideal seria instalar a Feira num terreno da freguesia. Com o conhecimento do Presidente da Câmara, fiz uma proposta à igreja, para comprarmos a casa da Florinda Maçães, que está devoluta e como tem um terreno enorme, podíamos passar a Feira para aquele local”.
E Carlos Maçães acrescenta: “Já não será comigo, neste meu último mandato, mas os primeiros passos podem ser concretizados. A minha ideia passa por requalificar a moradia e fazer ali a Casa da Cultura de Aver-o-Mar, no rés-do-chão construir equipamentos sanitários e de escritório que serviriam para apoiar a Feira que continuaria no centro da freguesia. Penso que era uma mais-valia. A diocese de Braga já autorizou o negócio, sendo que o padre Joaquim terá que arranjar dois avaliadores. A proposta da Junta de Freguesia foi de 350 mil euros - isso é público. Creio que a Florinda Maçães, que doou o imóvel à igreja, gostaria desta nossa vontade, ver a casa voltar a servir as pessoas de Aver-o-Mar. Ao mesmo tempo resolvíamos o problema da localização definitiva da Feira semanal, que serviria nos outros dias de parque de viaturas”.
Que outras obras marcam os sucessivos mandatos à frente da Freguesia? “Destacaria os arranjos do Largo da Igreja, a construção e inauguração do Campo de Futebol, os passadiços da orla costeira, uma série de ruas intervencionadas, o parque de estacionamento junto à igreja e frente à praia, na Avenida dos Pescadores. Aver-o-Mar ficou diferente para melhor. Mas tenho que reconhecer que tive sorte com as pessoas que escolhi, um autarca nunca faz as coisas sozinho. Houve sempre uma grande sinceridade entre nós e isso ajudou nos projectos que concretizámos”.
Quando Deixámos de Ver o Mar Alguém se Pôs à Frente
“Pós 25 de Abril de 1974 a Freguesia sofreu as perturbações da especulação imobiliária, desorganizada e sem regras. Na verdade gerou-se um certo caos: “Foi um facto, as empresas de construção civil visavam o lucro e construíam em altura, as pessoas faziam as cedências dos terrenos com as suas contrapartidas. A Freguesia ficou desfigurada. A partir do momento em que a Câmara Municipal aprovou um PDM (Plano Director Municipal) chegou a organização necessária. Isso já foi feito nos mandatos do Dr. Macedo Vieira e depois com o Eng.º Aires Pereira. No tempo do Dr. Manuel Vaz e do Eng.º Campos Cunha, foi ‘um ver se te avias’. Há ruas em que a pessoa quase cumprimenta a outra do prédio em frente. Houve uma grande especulação imobiliária, muita gente enriqueceu à custa dos terrenos e casas de Aver-o-Mar”.
Não é de hoje que Aver-o-Mar tem preocupações sociais: “Entre as prioridades estão sempre as pessoas. Logo no primeiro mandato, criámos um gabinete de Acção Social para apoiar a população. Levar as pessoas ao médico, buscar medicação, pagamento de reformas, tudo o que era possível fazer, fazíamos. Tínhamos um grupo de jovens a trabalhar connosco que desempenhavam esse papel. Entro na Junta em 2005 e um ano depois, consigo trazer para Aver-o-Mar o primeiro Gabinete de Apoio à Vítima que ainda hoje existe. Passámos também a ter apoio psicológico das pessoas que nos procuravam com o voluntariado das psicólogas, que ainda hoje se mantém. Sempre tivemos na Junta, psicólogas a ajudar as crianças e os adultos. Temos um protocolo com a Universidade do Porto que permite às psicólogas escolherem vir para cá estagiar”.
A população cresce, Aver-o-Mar é hoje uma Vila e as necessidades alargaram-se ao culto dos mortos, ao cemitério. Como resolveu na altura a questão do terreno para o necessário alargamento? “As pessoas sempre se uniram quando foi necessário lutar, reivindicar ou ajudar a construir algo, como foi o caso do alargamento do cemitério. Eu já andava há muito tempo a tentar negociar com a Câmara, a compra de um terreno, que no entanto foi incutindo a responsabilidade da compra, já que o cemitério era da responsabilidade da Junta de Freguesia. Numa célebre Assembleia Municipal, mobilizei a população que encheu o salão Nobre da Câmara. Quando me dirigi à Assembleia disse que – se a Câmara fez um cemitério novo para a Póvoa com o dinheiro dos contribuintes, entre os quais os de Aver-o-Mar, é justo que comprem o terreno para alargar o nosso cemitério. Este argumento levou o Dr. Macedo Vieira a reconsiderar e a Câmara comprou o terreno. Passados dois dias, o Dr. Macedo Vieira chamou-me à Câmara, reconsiderou a posição e a questão ficou resolvida. O processo da compra foi todo liderado pela Câmara. Quando o líder faz, o povo vai atrás e toda a gente ajudou. Os empreiteiros deram-nos cimento, ferro e outros materiais. Foram mais de duzentas pessoas a ajudar. Numa manhã de sábado aquele muro enorme ergueu-se com a ajuda da população de Aver-o-Mar, homens, mulheres e jovens. Há registos. Juntos, somos sempre mais fortes e capazes. Quando é preciso a população mobiliza-se e está connosco. Mas, para isso nós mesmos temos que dar o exemplo”.
Os orçamentos das freguesias, embora limitados vivem actualmente um certo desafogo? “Falo pela minha Junta, temos vivido sem sobressaltos, a Câmara tem-nos ajudado imenso, esta forma que o Presidente Aires Pereira encontrou, nós contratamos e a Câmara dá a verba, é uma mais-valia. Só não desenvolve a sua freguesia quem não quer, a Câmara está sempre disponível para aceitar os projectos, mas não obriga ninguém a fazer, logo, temos que ser nós a apresentar as nossas ideias e projectos. Nunca senti qualquer dificuldade, o que precisávamos fazer, a Câmara sempre validou os nossos projectos e ajudou com a verba ou mesmo com material e maquinaria, depende do proposto. As coisas foram-se fazendo”.
Mais recentemente a Freguesia beneficiou de um parque de Estacionamento e novos arruamentos, mas que foram fruto de investimentos autárquicos: “Eu disse que a Câmara está para ajudar, mas nós, que estamos no terreno, é que temos que dizer o que queremos e insistir. Houve grandes alterações nos arruamentos e melhoramentos. A rua da Salvada tinha uma parte muito estreita, liguei ao proprietário que estava em França e recebi autorização para mandar um barraco abaixo. A Junta fez o muro. No Largo Martins da Fonte, a ponte era muito estreitinha e a Junta de Freguesia fez a obra. Sempre tivemos mão-de-obra qualificada na Junta. As obras do interior do cemitério de Aver-o-Mar foram feitas pelos funcionários da Junta, o de Terroso também. Se alguém nos der os materiais, nós temos os empregados qualificados para fazer a obra. Quanto ao novo parque de estacionamento, pedimos à Câmara que se um dia ali houvesse construção, a Câmara obrigasse o empreiteiro a deixar um espaço para parque de estacionamento. O Eng.º Aires Pereira entendeu, e bem, que aquela casa teria que ser comprada, demolida e em todo o terreno construir um parque de estacionamento, que para além de dar apoio à igreja dá também grande apoio ao comércio. Não havia nada no centro da freguesia e o Parque foi uma obra bem recebida por todos”.
A União ou como Gerir as Ambições de Três Freguesias
“Temos que reconhecer que as pessoas não acolheram muito bem este novo modelo de gestão – vem aí um tipo de Aver-o-Mar mandar na freguesia de Amorim e Terroso. Com o tempo as coisas foram evoluindo e descomplicando, mas não foi fácil. Terroso foi a Freguesia onde mais investimos porque era aquela que eu queria dar alguma prioridade. Era preciso fazer obras no cemitério, uma série de arruamentos, algumas obras de saneamento que estavam por fazer, o largo da igreja merecia um arranjo e foi feito, o campo de futebol também foi beneficiado com um sintético. Fizemos naquela freguesia uma série de obras. Amorim não foi assim. Tive sempre alguma resistência por parte das pessoas. Queria fazer alguns alargamentos e arruamentos novos e as pessoas resistiam nas negociações - vais dar ao ‘gajo’ de Aver-o-Mar. Esqueceram que se tratava de um benefício para a freguesia”.
A reacção das pessoas de Amorim justifica-se na rejeição à União de Freguesias? “Essa resistência existe, não creio que seja pela minha pessoa. O certo é que queria fazer uma rua que temos junto a cemitério de Amorim, mas as pessoas não concordaram. Continuamos a ter alguma resistência na pretendida ligação da rua da Aldeia ao Minipreço. Entre as coisas boas, comprámos o terreno ao Centro Paroquial porque Amorim também precisa alargar o cemitério, mas estamos com alguma dificuldade em avançar com a obra. O terreno está em reserva agrícola e é preciso fazer uma desafetação para lhe dar outro fim, que é o alargamento do cemitério. O processo está a ser analisado em Lisboa”.
Que balanço faz do trabalho realizado em Amorim? “Penso que o balanço é positivo, vou deixar uma freguesia organizada e alguma obra feita. Recordo o arruamento que fizemos ali na Gruta do Fado, onde estão a nascer novas casas. Alguns arruamentos permitem fazer investimentos que até ali não eram possíveis realizar. Construir em Amorim é trazer mais pessoas para a freguesia. Andámos também alguns anos a negociar a abertura de uma rua entre a rotunda junto ao Minipreço e a zona industrial de Amorim, nós e a Câmara com quem reunimos várias vezes. Havia também ali muita resistência e agora as pessoas veem o benefício. A Zona industrial saiu beneficiada e passou a ter novos investidores. Aquele novo arruamento facilita o acesso à autoestrada. No ano que falta para terminar o mandato, não vai ser possível fazer muito mais, mas quero abrir portas a outros projectos”.
Gerir três freguesias significou ter que apoiar um número considerável de associações desportivas, culturais e recreativas: “Dei continuidade nas três freguesias a todos os apoios que as associações recebiam e ainda reforcei as verbas. No futebol, em cada três meses fazemos uma transferência de 1500 euros para ajudar no pagamento da electricidade nos clubes das três freguesias. Em alguns casos as instalações desportivas foram renovadas e outras melhoradas. No atendimento, as pessoas não precisam de se deslocar a Aver-o-Mar para tratar dos seus assuntos. Nós vamos a todas as freguesias. Chegámos a ter as nossas psicólogas a ir a Amorim e a Terroso, agora concentram-se no nosso espaço em Aver-o-Mar. As freguesias não perderam nada. Creio mesmo que Terroso ganhou imenso com a agregação. Amorim também ganhou e vão continuar a ganhar porque os próximos investimentos vão dar prioridade àquela freguesia. Se não houver desagregação, o próximo presidente, sem esquecer as necessidades de cada freguesia, deve investir em Amorim”.
Em jeito de balanço ao trabalho realizado na União de Freguesias, Carlos Maçães refere que deixa “o autarca não o é em casa própria, tem que ser das casas todas e das causas também. Quando vimos para a vida pública temos que pensar que a nossa vida familiar vai sair um pouco penalizada, mas se fizermos um bom trabalho pela terra onde vivemos, os nossos filhos ou os nossos netos vão usufruir disso. Acho que foi um trabalho francamente positivo, sinto orgulho naquilo que conseguimos”.
A escolha do futuro candidato vai passar também pela opinião ou sugestão de Carlos Maçães? “Gostava de fazer parte do processo de escolha, até para que fosse seguido o trilho do desenvolvimento das freguesias e que o próximo presidente desse continuidade a este trabalho que fizemos. Quanto ao candidato ainda não está escolhido, ainda não se pensou nisso, mas gostava que fosse alguém da minha equipa. Vamos ver em quem recai a escolha”.
E com um brilhozinho nos olhos conclui: “Para me dedicar em pleno à presidência da Junta, a partir de determinada altura deixei de exercer a minha profissão, que recentemente retomei. Como dizia o Dr. Macedo Vieira – vou voltar à minha horta. Sou militante do PSD cumprindo o que sempre disse – no último mandato tornava-me militante. Se o partido precisar de mim e eu puder ser útil, estarei cá para ajudar. Saio de consciência do dever cumprido e orgulhoso do meu trabalho”.
Por: José Peixoto
Fotos: Rui Sousa