A cultura não pega de estaca, precisa de criar raízes para ganhar corpo e crescer como as árvores. Por isso, se criam eventos culturais que se alongam no tempo, mas muito pela persistência, trabalho e crença dos seus criadores. A solidez e continuidade vêm depois. Em São Pedro de Rates, uma Freguesia-Vila do concelho da Póvoa de Varzim, a cultura, ou melhor a sua disseminação tem um nome, Paulo Sá Machado.
Trabalhar na cultura em São Pedro de Rates foi uma aventura: “Eu conheci o Dr. Paulo João no Turismo da Póvoa numa exposição, ainda ele não era autarca. Quando me convidou, logo que assumiu o cargo de Presidente da Junta, para assessorar a cultura em Rates, foi uma aposta desafiante, na medida em que eu lhe disse que só iria para Rates se fosse por causa do Caminho de Santiago. Sou um amante do Caminho de Santiago, recordo-me que fiz o primeiro caminho ainda era estudante de Coimbra, com Dom Eurico Dias Nogueira que foi depois bispo de Braga, e que era da minha república. Nos primeiros tempos, tive algumas dificuldades porque me apercebi que a população era muito distante. Só passados alguns anos é que consegui apanhar o ritmo”.
Quantas exposições foram realizadas nestes 12 anos no Núcleo Museológico de S. Pedro de Rates? “Neste momento, já atingimos as 55 exposições numeradas e outras 15 que não foram numeradas, as primeiras. Acho que foi uma aventura tremenda. Depois de ter passado pelo pelouro da Cultura da Maia e como assessor pela Câmara de Boticas, esta minha vivência cultural em Rates foi uma aventura que me engrandeceu imenso, conheci muita gente, trouxe aqui grandes artistas, como o Nadir Afonso, o Afonso Pinhão Ferreira ou o Orlando Pompeu. Desde o folclore, o grupo de Gaiteiros de Espanha, Fado, artesanato, todo o género que se pode imaginar eu convidei. E parecendo que não, quem correr os catálogos todos vai ver que Rates teve um salto enorme na cultura. No fundo tenho pena em deixar Rates, mas tenho que contar que tenho 83 anos de vida e há coisas que não se repetem. Eu aprendi já quando era estudante de Coimbra onde fui dirigente académico, que a grande dificuldade da vida é uma pessoa saber sair. Por isso, no dia em que o Dr. Paulo João sair, eu também saio. Vim com ele e saio com ele. Ao fim destes anos que passaram a correr, enriqueci-me muito culturalmente. Eu sou católico apostólico romano, um dia ia para a igreja e parti a cabeça, levei 12 pontos, mais oito no joelho. Talvez não largue as muletas por causa disso, mas há um elo umbilical muito grande que fica por esta Vila”.
A sensibilidade cultural é também uma espécie de aprendizagem? “A cultura aprende-se e depois entranha. Penso que o Paulo João, no início, ter-se-á questionado sobre o que seria possível trazer e oferecer à população. Eu não pretendia atrair só a população, mas pessoas de fora que viessem conhecer Rates. Dou-lhe um exemplo, uma senhora dos Caminhos de Santiago, romena, que fez aqui uma exposição, quer vir viver para a Póvoa, já é sinal que só por isso valeu a pena os Colóquios Internacionais dos Caminhos de Santiago. Com estes Colóquios atraímos palestrantes de 10 países diferentes. Não quero comparar isto ao Correntes d’Escritas, mas foram umas mini correntes, e levei isto praticamente sozinho e isso ainda mais me engrandece. Não tinha grandes apoios, tinha o apoio da Junta e da Câmara Municipal, imprescindível para pagar as despesas e os livros. Todos os anos editámos um livro, vamos em 9 livros, o décimo será apresentado a 5 de julho, isso satisfaz-me muito”.
E acrescenta: “No fundo, o Dr. Paulo João abraçou uma causa que poucos abraçariam, apostando numa pessoa que ele não sabia o que ia dar. Por acaso correu bem, mas podia não ter corrido”.
De onde partiu a ideia de criar os Congressos Tomé de Sousa? “Eu sabia da história de Tomé de Sousa e achava estranho que uma terra como esta não fizesse nada por esta enorme personalidade. Sou filho de mãe brasileira e avó galega e ia muito à Baía onde estava a estátua de Tomé de Sousa, primeiro governador-geral do Brasil, e interessei-me por saber quem era. Quando cheguei aqui a Rates, reparei que o Tomé de Sousa estava ali em forma de busto quase esquecido e resolvi fazer um congresso. Foi também um êxito, pena é que não tenha prosseguido, mas houve pouco interesse em Tomé de Sousa. Tentei trazer o túmulo para Rates. Ele está numa exploração turística em Vila Franca de Xira propriedade de espanhóis. Sei que não ia trazer nada que não fosse pó e terra, mas no fundo era trazer um símbolo de Rates, está lá um pequeno monumento e era facílimo trazer. Tive tantos obstáculos que decidi esquecer, até porque não tive aquele apoio de retaguarda que precisava”.
Paulo Sá Machado diz sair de consciência tranquila e mais rico culturalmente: “Fiz o melhor que podia e sabia por Rates, só conhecia o Dr. Paulo João e conheci um grande amigo que foi muitos anos responsável pelo Turismo, o senhor Armando Marques. Fiz as primeiras exposições filatélicas e filumenísticas no Casino. As pessoas não sabiam o que era a filumenia, até que eu disse - vamos fazer uma exposição de caixas de fósforos, que é filumenia - desde essa altura me sinto ligado à Póvoa. Tem outra particularidade, um tio-avô da minha mulher, que era brasileiro, construiu o Hotel Luso-brasileiro e foi o seu primeiro proprietário. Ou seja, há muitas ligações sentimentais que eu tenho à Póvoa, quer com a antiga administração do Casino, quer com a actual. Deixo aqui um apontamento, o Dionísio Vinagre merece uma verdadeira homenagem. Tem que aparecer uma comissão que coloque uma estátua ou um Busto na Póvoa em sua homenagem. Ele merece pelo muito que tem feito pela cultura. Eu sei que vou desagradar aos jogadores e a muita gente, mas pela cultura acho que o Dionísio Vinagre merece essa homenagem da população da Póvoa”.
Por: José Peixoto
Fotos: Rui Sousa