Voz da Póvoa
 
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O Antigo Liceu a Ensinar o Caminho do Futuro

O Antigo Liceu a Ensinar o Caminho do Futuro

Educação | 4 Setembro 2021

Não foram as primeiras letras, mas foi a primeira vez que me vi confrontado com uma montanha de livros, outros tantos professores e disciplinas onde se incluía uma língua estrangeira. Do lugar onde nasci sabia tudo, era essa a convicção da minha idade. Na escola onde aprendi a ler, saí multiplicador de aprendizagens: o velho, o rapaz e o burro. Mas, o ensino explicou-me pela vida fora “O Velho e o Mar” de Ernest Hemingway; “O rapaz de bronze” de Sophia de Mello Breyner Andresen; “O-burro-em-pé” de José Cardoso Pires.

Porque aprender faz bem, quisemos saber como é o ensinar de hoje no meu velho Liceu, rebatizado de Escola Secundária Eça de Queirós. Depois, a conversa com o director José Eduardo Lemos trouxe uma outra actualidade que versou uma nova normalidade gerada pela pandemia.
“Era inevitável, porque ninguém estava preparado para a pandemia. Todo o trabalho dos professores, toda a planificação foi organizada, pensada e planeada para uma sala de aula e num ambiente presencial. De um momento para o outro, ao transferirmos para um ambiente Online, tudo teve que ser refeito à medida que se caminhava entre as incertezas. Mesmo assim, da parte das escolas e dos professores, conseguimos o objectivo, ensinar. Não resolvemos as promessas que fizeram de que íamos ter computadores em Outubro, também não nos competia, mas os verdadeiros problemas que surgiram com a pandemia, foram as escolas que os resolveram”.
 
José Eduardo Lemos de Sousa nasceu em 1962, em Guilhabreu, Vila do Conde. É licenciado em Geografia e ensinou em várias escolas, como Mondim de Basto, Póvoa de Lanhoso, Seixal, Vieira do Minho, até ser colocado em Julho de 1992, na Escola Martins Sarmento, em Guimarães. “Nesse ano, foi criado um concurso de aproximação à residência e eu concorri, tendo sido destacado para a Póvoa de Varzim. Em Abril de 1994, entrei na direcção da escola, como Vogal do Conselho Directivo e a 1 de Julho do mesmo ano, tomei posse como Presidente do Conselho Directivo, depois de integrar uma lista e vencer as eleições”, recorda.

As mudanças no ensino, as obras que o edifício sofreu até aos dias de hoje e as constantes mudanças no ensino motivam o seguinte comentário: “Há obras que passam pela direcção da escola e outras não. Quando aqui cheguei o edifício estava muito degradado. Fiz um levantamento fotográfico da caixilharia, do telhado, das infiltrações de água e apresentei ao Dr. Lino Ferreira, na altura Director Regional Adjunto da Educação do Norte. Ele programou e durante uns anos a DREN fez obras estruturais na escola. Mudou-se o telhado, caixilharia, rebocos e pinturas. Depois, seguiu-se a pavimentação, colocação de aquecimento central nas salas de aula, substituição de soalhos, requalificação dos jardins, tudo feito por nós, com verbas que íamos reunindo na gestão corrente. O que destacaria nem eram as obras de melhoramento do edifício, mas as alterações legislativas. Cada Governo impõe as suas mudanças e depois juntando a isso, a tentativa do Ministério da Educação informatizar tudo, as escolas cada vez tem menos autonomia. Cada vez mais, o Ministério e os Serviços do Ministério controlam o dia-a-dia das escolas, através das tais aplicações centralizadas. Mas, a sala de aula continua a ser a mesma, o professor a ser o mesmo profissional. Ou seja, a missão da escola não se alterou significativamente. Todos os anos, temos entre 1150 e 1250 alunos, num universo de 110 professores”.

Quanto à construção de um Pavilhão, que em breve deverá estar em funcionamento, é um equipamento há muito desejado pela direcção de José Eduardo Lemos: “É importante proporcionar as melhores condições possíveis aos alunos, na área da educação física e do desporto, mas tínhamos instalações muito deficitárias, com mais de 60 anos. Embora, soubéssemos que iriamos perder um pouco de espaço livre da escola, conversámos, insistentemente, com a Câmara Municipal, para que fosse feito um pavilhão. Era também do interesse da Autarquia porque o pavilhão também serviria a comunidade e conseguimos convencer o Ministério da Educação a ceder uma parte do terreno. É com satisfação que vemos a obra a concretizar-se e a Câmara proporcionar-nos este novo equipamento”.

O Ensino Soube Responder à Nova Normalidade

A pandemia surpreendeu pela negativa e alterou normas e comportamentos: “O trabalho de direcção é gerir todas as questões de segurança e higiene, mas também de organizar os horários desfasados, que são o mais complexo. Ou seja, há um desfasamento de 15 minutos na entrada das turmas, dessa forma metade das turmas está em aulas e outra metade em intervalo, tudo sem colidir com a hora do almoço ou de saída. Sempre que os alunos estão em casa de quarentena, isso dificulta porque temos que arranjar um apoio. Se houver paragem de aulas mais complexo se torna. É da responsabilidade da direcção organizar as aulas e as actividades. Agora, o que eu senti muito com a pandemia foi a dimensão de perda do convívio e do lazer, do estudo fora da sala de aulas, como as visitas de estudo que deixaram de se realizar, as efemérides, o dia do aluno, a cerimónia do quadro de aluno de excelência, todo um conjunto de cerimoniais, de actividades de valor simbólico e educativo que se deixaram de realizar. Criou-se distância e maior afastamento entre os alunos e professores, penso que isso foi o mais marcante da pandemia”.

Quando foi necessário que os alunos ficassem em casa, as próprias reuniões tiveram que realizar-se à distância: “A necessidade obriga e de certa forma tudo se resolve. Nunca me ocorreu que os professores não tivessem meios, mas houve um ou outro a quem, inicialmente, tivemos que emprestar um computador. Também houve alunos que não tinham e disponibilizámos cerca de uma dezena de computadores um pouco antigos, mas que numa primeira fase serviram a intenção. De resto, a falta de material foi sentida muito pontualmente, demos algum apoio a alunos emigrantes que tinham chegado recentemente ao país e que ainda não estavam inscritos na segurança social. No ensino básico e secundário, o problema foi maior porque havia muitos alunos que não tinham computador. Mas, diria que a falta de equipamentos não foi o mais difícil de colmatar, foi mais complicado e complexo transferirmos todo um trabalho e o dia-a-dia em presença, para o dia-a-dia à distância. A planificação das aulas, a forma como tudo funcionava, tudo isso foi alterado e criou alguma angústia”.

Há experiências que vieram para ficar: “Há elementos do ensino à distância que as escolas vão integrá-los no dia-a-dia. A experiência vivida com o professor a utilizar uma plataforma e meios de que dispunha e que estava mais à vontade, criou nos alunos alguma confusão inicial, mas penso que tudo entrou nos trilhos do conhecimento”.

José Eduardo Lemos reconhece a disponibilidade da Autarquia em ajudar em momentos como este: “Houve dois aspectos em que eu acho que a Câmara esteve muito bem. Primeiro, a forma como organizou os transportes no período de confinamento, criando um circuito que permitiu buscar os alunos às freguesias. Depois, na organização das refeições que eram confeccionadas na escola de Beiriz, mas era a Câmara que providenciava o transporte das mesmas para casa dos alunos. Com a pandemia deixámos de ter receitas, mas os equipamentos de protecção individual, como máscaras ou álcool-gel o Ministério cedeu as verbas necessárias”.

Os tempos que vivemos exigem sempre um plano B “Vamos iniciar o ano com uma realidade pandémica. Vamos continuar com horários desfasados para que os alunos se encontrem o mínimo possível nos espaços comuns. Certamente, ainda será um ano que afetará as actividades no exterior, como as visitas de estudo que impliquem contacto, mas estamos preparados para a qualquer momento voltarmos à normalidade, que será faseado, lento e prudentemente iniciamos o ano com cautelas”.

O Antigo Liceu é uma Escola com Alunos de Excelência

“Os alunos que nos procuram, geralmente, são jovens com objectivos, querem seguir o ensino superior. Se têm objectivos esforçam-se mais para os atingir. Os pais desses alunos, normalmente, são pessoas que os acompanham, que insistem, que estão do lado da escola que os ensina. Depois, temos professores competentes e exigentes que preparam os alunos para esse desafio. É uma mistura destes intérpretes, que validam uma competente aprendizagem. Talvez por isso, cerca de 50% dos nossos alunos do secundário escolhem o curso de Ciências e Tecnologias. Temos sete turmas do 10º ano de Ciências e Tecnologias, uma turma de Artes Visuais, duas de Economia e Três de Línguas e Humanidades”, revela.

E acrescenta: “Temos mais de seis dezenas de alunos oriundos de outros países, sobretudo brasileiros, mas também chineses e de países europeus. É uma situação que exige da nossa parte respostas. Temos uma disciplina chamada Português Língua Não Materna, em que damos uma resposta de acordo com a necessidade dos alunos, é uma realidade com que nos confrontamos cada vez mais”.

Quanto às actividades extracurriculares, José Eduardo Lemos reconhece que, “há actividades que envolvem a comunidade, talvez não tanto quanto o desejável. Ou melhor, como a maior parte dos alunos são do Secundário as nossas actividades, mesmo as exteriores são muito focadas para o complemento dos programas de aprendizagem e os alunos têm mais autonomia. Eu considero natural muitas das actividades não envolverem a comunidade, mas creio que no futuro outras propostas surgirão”.

A escola é hoje um lugar de aprendizagem e de cultura: “A nossa principal missão é ensinar, mas, paralelamente e complementarmente desenvolvemos vários projectos e iniciativas, como o clube de cinema 8 e meio, que de alguma forma abrem espaços para que os alunos se expressem e vivenciem outras linguagens. Acho que a escola poderia desenvolver mais actividades paralelas educativas e até lúdicas que de alguma forma façam com que os alunos se sintam bem na escola, aprendendo outras coisas que não o que curricularmente está definido”.

Há países que experimentam o ensino durante uma década sem qualquer mudança, havendo um acordo entre os partidos, independentemente de quem governa. Uma medida que para José Eduardo Lemos nenhum dos nossos governantes quer adoptar: “Somos diferentes para pior no que toca ao desenvolvimento. Pelo que se vê, pelo que se lê, os países europeus, nomeadamente aqueles que entraram depois de nós na União Europeia, estarão já com níveis de desenvolvimento superiores. Todos os partidos quando conquistam a governação, seis meses depois falam de estabilidade, mas nos primeiros seis meses mudam tudo o que há para mudar, segundo os seus planos”.

E explica o seu ponto de vista:  “Penso que as mudanças na educação devem ser pontuais, muito faseadas e bem ponderadas. Não se devem fazer revoluções na educação e devemos agir sobre aquilo que achamos que não está a dar resultado ou que não está dentro do desejado. A norma, infelizmente, é alterar tudo, às vezes até sem uma razão que se compreenda. Neste momento, não sei qual é o rumo nem quais os grandes objectivos deste Governo para a educação. Há uns anos, eu sabia que era obter melhores resultados escolares e taxas de sucesso mais elevadas. Este Governo não expressa isso, não transmite essa ideia forte sobre aquilo que pretende para a educação. Fala-se no perfil, mas acho pouco, temos que ultrapassar essa ideia de perfil do aluno”.

O Eterno Aprendiz é o Grande Transmissor de Conhecimento

O professor precisa de tranquilidade para transformar a sua profissão na arte de ensinar: “Acho que deveria ser tratado com mais respeito. Os professores são cidadãos como os outros, mas em muitos casos parecem filhos de um deus menor. Aliás, penso que não é a comunidade que tem falhado no respeito aos professores, mas sim a administração educativa. São os sucessivos governos que têm falhado no tratamento com os professores. O discurso político é muito importante e quando esse discurso desvaloriza os professores acusando-os de faltarem muito, trabalharem pouco, isso introduz-se na comunidade e dá mau resultado. Acho que os pais e a comunidade respeitam os professores genericamente, mas nem sempre os governos tomam medidas que respeitem os professores. Ainda agora, esta última medida que impõe às escolas e aos professores receberem e entregarem manuais escolares aos alunos, é desprestigiante. Isso não é trabalho de um professor. Seria uma medida muito mais útil se fosse executada pelas Câmara Municipais”.

O professor marca a vida dos alunos, mas José Eduardo Lemos não duvida que o contrário também acontece: “A nossa profissão tem esse encanto. Nós não trabalhamos com matéria inerte, mas com matéria viva, alunos que se vão mudando e renovando, a aprendizagem é de certa forma partilhada porque cada aluno é um ser humano diferente e estamos sempre a aprender. Também é nossa obrigação termos uma acção educativa com uma certa uniformidade, não podemos dar aulas a cada aluno. Alguns ideólogos pensam que o professor deveria fazer um teste para cada um. Há um conjunto normativo, um conjunto uniforme de práticas, mas depois temos que estar muito atentos a cada aluno. O bom professor é aquele que está atento aos detalhes e que percebe que determinado aluno tem um problema que não está a conseguir resolver. É esse professor que está preocupado com esse e todos os alunos que interessam à escola”.

O acompanhamento escolar do aluno possibilitou um maior aproveitamento: “A nossa escola, do meu ponto de vista, tem dado cartas nessa matéria. Damos centenas de horas de apoio por semana, com muitos professores a trabalhar para além do seu horário lectivo. Temos apoiado os alunos que precisam, mas também alunos que querem obter melhores resultados e estamos a dar explicações da matéria. São alunos de sucesso que têm interesse em melhorar as suas classificações”.
   
Quanto ao conselho que daria a um aluno: “Diria que, se não se esforçar nunca terá sucesso, mesmo que tenha amigos e conhecimentos. No momento de aprendizagem, tem que se empenhar e desenvolver ao máximo a orientação que o professor dá. Deve ser muito profissional naquilo que tem que fazer e que lhe pedem para fazer”.

E ao professor: “Diria que, não está numa escola como as outras, mas numa escola com um lastro histórico muito grande, onde tem que ser um profissional todos os dias e ter preocupações com a educação dos alunos, com aquilo que são as expectativas das famílias e com a própria escola”.

Como director da Escola Secundária Eça de Queirós, José Eduardo Lemos: “Diria que só tive momentos felizes e que me honra muito dirigir esta escola”.

Por: José Peixoto

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