Voz da Póvoa
 
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A Escola que Temos Não é a Escola que Queremos

A Escola que Temos Não é a Escola que Queremos

Educação | 24 Janeiro 2023

 

Na convicção de que nenhuma classe profissional parte para uma sequência de greves por tempo indeterminado sem suportadas razões, fomos saber o que move professores, auxiliares de educação numa luta sofrida mas com uma união pela valorização profissional que ganha cada vez mais força.
 
A paralisação, por tempo indeterminado, foi convocada pelo S.T.O.P. - Sindicato de Todos os Professores e Profissionais de Educação. O Governo mantém negociações com os sindicatos, mas as suas propostas continuam longe das reivindicações dos docentes.

“Começa logo pelo salário precário do pessoal docente e não docente. Foi-nos congelado o tempo de serviço, de 6 anos, 6 meses e 23 dias, o que não aconteceu com a carreira de outros funcionários públicos. Nós trabalhamos, descontamos, foi-nos literalmente roubado esse tempo de serviço que queremos ver devolvido. Temos assistentes operacionais que não têm aumentos, com entraves nas suas carreiras. Um assistente operacional que neste momento entre numa escola, ganha tanto como um colega que tem 20 ou 30 anos de serviço. Há aqui, um problema salarial ao nível de todos os profissionais que trabalham nas escolas. Há falta de profissionais e os que cá estão, muitas vezes fazem imensas tarefas. Ou seja quando falta alguém, esse funcionário tem que assegurar o seu e o serviço do colega em falta”, diz Isabel Pessoa, docente da Escola EB 2,3 de Aver-o-Mar e dirigente sindical do S.T.O.P. 
 
Ao nível do pessoal docente “temos trabalho excessivo nas escolas, muitas horas envoltas em reuniões de trabalho, burocracias, projectos experimentais ditos inclusivos e flexíveis, imensas actividades que se desenvolvem ao longo do ano lectivo. Nós queremos uma escola Pública de qualidade. Com estes projectos que o ministério tem implementado, o projecto MAIA - Monitorização, Acompanhamento e Investigação em Avaliação Pedagógica, um aluno não chumba mesmo que não desenvolva todas as suas vertentes. A lei diz que a retenção é a título excepcional”.

Quanto ao modelo de avaliação de desempenho dos professores e dos assistentes operacionais, para Isabel Pessoa os docentes pretendem que “não seja um modelo de avaliação entre pares. Ou seja, um colega que pode estar no mesmo escalão vem assistir às minhas aulas e avaliar-me. Há situações em que professores com mestrado estão a ser avaliados por professores licenciados. Isto é vergonhoso, cria-se um mau estar entre a classe. Acontece o mesmo com os assistentes operacionais. Há um estrangulamento ao nível da carreira dos professores no 5º e 7º escalão, em que não progredimos. Há quotas, imaginemos que em 100 professores de uma escola 20 são excelentes, mas só há duas vagas para o excelente, todos os outros passam para bom. Isto cria uma situação de injustiça muito grande entre os profissionais da educação”.

O problema dos professores contratados continua por resolver, “muitos não têm horários completos e não conseguem fazer face às despesas, como pagar combustíveis, alugar casa, e as pessoas sabem quanto custa arrendar uma casa na Póvoa de Varzim. Com tantos anos de serviço ainda tive que arrendar casa porque eu não sei qual vai ser o meu futuro. Os professores andam sempre de casa às costas”.

É no Presente que o Futuro tem que ser Assegurado 

Na questão da municipalização da educação, a sindicalista acusa o ministro, João Costa, de não dizer a verdade aos portugueses: “Há um despacho que abre as portas à municipalização e os assistentes operacionais já estão sobre o domínio das autarquias, abre também as portas à criação dos Conselhos de Directores, ou seja, passamos a ter conselhos intermunicipais. Para terem uma ideia íamos todos pertencer à área Metropolitana do Porto, que vai até Gaia. Eu sou transmontana, vim para aqui porque tive que mudar a minha família, tinha já a minha situação estável. O que pode acontecer é o regresso à instabilidade, mesmo pertencendo aos quadros de escola do Agrupamento de Escolas de Aver-o-Mar”.
 
E acrescenta: “Este ministro com as declarações que tem feito ultimamente, quero-lhe agradecer porque tem-nos unido muito, mas está realmente a faltar-nos ao respeito porque tenta enganar a opinião pública. Temos muitos encarregados de educação e muitos alunos que já perceberam que o senhor ministro falta à verdade. Há na escola problemas graves de facilitismo, não há uma escola pública de qualidade. Os ministros da educação, infelizmente, nos últimos 15 anos, andam a tentar ludibriar os país e alunos, para depois dizer que está tudo bem”.

Sobre a gestão das escolas, Isabel Pessoa defende que, “é muito pouco democrática. Temos os directores que são eleitos por diversas forças, desde representantes da autarquia, associações de pais, empresas, etc. Depois, de facto, os directores têm um grande poder nas escolas e muitas vezes sentimos que os nossos direitos são atropelados porque não temos total liberdade para, por vezes, manifestar o nosso descontentamento”.

Segundo a sindicalista, a escola deveria apenas estar vocacionada para o ensino: “Deveríamos estar apenas concentrados naquilo que é essencial. Escolhi esta profissão porque gosto de ensinar, de trabalhar com os miúdos. Os professores estão atentos a todos os problemas. Hoje em dia, fazemos quase todos os papéis, temos meninos com problemas de carência afectiva, outros fruto de problemas da própria sociedade e temos que cuidar deles. Portanto, quando nos devíamos concentrar nos nossos alunos, conhecer bem os nossos alunos, preparar as nossas aulas devidamente, estamos envolvidos em mil e um projectos que nada têm a ver com ensinar. E é isto que me revolta. Temos que ter consciência que as coisas têm que mudar”.

Isabel Pessoa faz questão de lembrar que “nós, professores, assistentes operacionais, profissionais de educação, o que estamos a fazer é uma aula de cidadania. A inflação é galopante e ninguém vê aumentar os salários dos trabalhadores. Isto é lamentável, a sociedade portuguesa tem que se mobilizar. Há dinheiro para imensas coisas, para a TAP, para bancos, e para quem acorda todos os dias e vai para o seu local de trabalho exercer a profissão, não tem aumentos nem um salário digno”.

E reforça: “Estamos a fazer greve para melhorar a escola pública. Neste momento já há falta de professores, e se perguntar aos meninos da escola quem quer tornar-se professor, a resposta traz sempre outra profissão. As crianças são verdadeiras, sentem e vivem connosco dentro da sala de aula. Elas sabem que os professores não estão bem. Recordo também os mais distraídos que os professores também têm filhos e quando fazem greve os seus também sofrem as consequências. Tenho dois filhos, a minha filha anda na escola do Desterro e o meu filho na Escola Secundária Eça de Queirós. Não tenho família aqui na Póvoa para me socorrer. Ou seja, eu também tenho que resolver um problema causado por uma greve, uma reivindicação. A luta de todos os profissionais de educação é a luta pela dignidade profissional”.

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