Voz da Póvoa
 
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Desportivo da Póvoa, o Mais Eclético Clube Poveiro

Desportivo da Póvoa, o Mais Eclético Clube Poveiro

Desporto | 15 Outubro 2020

É um clube e até começou pelo futebol, mas o que ficou foi o Desportivo da Póvoa. Mesmo ali ao lado, gritavam multidões e nós, ainda adolescentes, aos domingos e aos sábados, quando a liberdade nos deixava, sentados numa bancada de madeira e de ferro, a admirar outras artes de levar a bola à baliza, ao cesto, de a fazer rolar entre patins ou apenas a dançar entre dedos e uma rede. Eram e ainda são amadores da coisa amada. Talvez por isso, desde 26 de Dezembro de 1943, sobem e descem de divisão e voltam a subir, a erguer trofeus e alegria, porque nada seca mais rápido que uma lágrima. E se este ano fica marcado por uma pandemia, no Clube Desportivo da Póvoa (CDP) o ano será lembrado pela subida do Voleibol masculino à 1ª divisão e pelo feminino à 2ª divisão. E se o basquetebol falhou a subida à liga profissional no último jogo, o Hóquei Patins fez a festa do regresso à 2ª divisão.

Quisemos saber como se constrói um clube de campeões, da dignidade. E fomos conversar com o presidente José Eduardo Matos de Almeida Caldeira Figueiredo, que nasceu em Santo Ildefonso no Porto, mas tornou-se poveiro logo que saiu da maternidade. Dirige o seu gabinete de Arquitectura em Esposende, com mais de 20 anos de actividade ininterrupta e o CDP.

“A minha ligação ao clube tem a ver com o imaginário Póvoa. Agora é diferente, mas as nossas referências passavam muito por estes espaços. Pelo verão mágico passado nesta piscina, as actividades que eram realizadas, para além das desportivas. Depois, o envolvimento no clube, de todas as famílias poveiras inclusivamente a minha, cujo nome está nos fundadores. Ou seja, desde o primeiro dia que a minha família está ligada ao clube e o meu pai tinha também aqui uma actividade relacionada com a organização de eventos, nomeadamente as famosas festas no Diana-Bar, há muitas décadas”, relembra Caldeira Figueiredo.

E acrescenta: “Comecei como director em 2002, na altura os mandatos eram mais curtos. Chegamos num momento muito difícil, porque tinha havido a dissidência da direcção anterior e o Clube estava há mais de um ano em comissão administrativa. Havia também uma situação de alguma desorganização do ponto de vista contabilístico e financeiro, a ressaca das obras do Pavilhão que tinha sido construído. E havia essas contas para pagar e toda essa estrutura para reorganizar. Isso aconteceu quando entramos. Eu entrei pela direcção das infraestruturas e do património. Depois ainda houve uma ligação às modalidades. Estive particularmente ligado ao automobilismo. Depois houve um processo de renovação da direcção. O Luís Neves saiu por motivos pessoais e de desgaste e, tal como agora, existiam muitos desafios e muitas questões e problemas que eram difíceis de abandonar, entre pares acabei por dar esse passo em frente para a presidência, ainda que em situação de igualdade com outros companheiros de direcção, alguns ainda continuam, que estariam tão qualificados quanto eu para assumir essa responsabilidade. Desde então, tenho vindo a exercer este modelo de liderança e de gestão que tem vindo a dar os frutos conhecidos”.

Nesta viagem pelas décadas a caminho do centenário O CDP foi acrescentando modalidades: “Temos ao longo da nossa história 24 modalidades intermitentes. Actualmente, batemos o recorde de modalidades em simultâneo. Neste momento temos nove modalidades em competição, muitas delas com sector masculino e feminino, mas também com todos os escalões de formação. O que não deixa de ser admirável para um clube que não tem o estatuto de grande, nem está inserido numa grande cidade, como Porto ou Lisboa. Este ano não é exemplo, mas no último rácio tínhamos cerca de 700 atletas federados, que perfazem mais de 30 equipas de modalidades colectivas, sendo que está fora deste número o atletismo e tudo o que sejam duplas, nomeadamente Futevolei ou badminton. Temos 32 equipas em Hóquei, Basquete e Voleibol”.

 

Ter Instalações Com Maior Autonomia É o Desejo CDP

 

Como se conjugam tantas modalidades com um só pavilhão: “O desejo de alguma autonomia de instalações é aquilo que temos vindo a lutar há muito tempo, porque de facto a solução é bastante descompensada. Nós estamos em 11 sítios diferentes em todo o concelho da Póvoa, com deslocações e jogos em Rates, Beiriz ou Aver-o-Mar. É um serviço coordenado directamente com as escolas e com a Câmara, no caso do uso do Estádio Municipal e Pavilhão Municipal. Depois, temos núcleos que estão inseridos nessas escolas. A situação não é a ideal, porque não temos autonomia e o espaço é muito escasso para a nossa comunidade atlética. Há também uma certa falta de identidade com o clube, porque há muitos miúdos que não chegam a treinar nenhuma vez no nosso pavilhão e mesmo modalidades que não estão nas nossas instalações, por exemplo, o atletismo. O Badmínton agora está aqui por causa da pandemia, mas estava alocado em Aver-o-Mar e em Rates. Isto cria também uma logística e custos para o clube, de ocupação, de protocolo de partilha de instalações, de partilha de viaturas, de compensações, que quantificados dão valores bastante relevantes”.

Para Caldeira Figueiredo o ideal para o clube era ter instalações que permitissem ter uma certa autonomia: “Actualmente, a nossa capacidade de autonomia de instalações ronda os 20%, o que é muito pouco. Queríamos ter mais de 50% e poder chegar aos 70% de autonomia, porque isso permitia-nos ter uma gestão muito mais optimizada do processo de ocupação dos espaços desportivos e continuar com a captação nas escolas, porque é lá que os miúdos vêem os jogos e se atraem por eles. Essa percentagem, de falta de autonomia, é saudável, tudo o resto acaba por não ser. Agora, os pavilhões das escolas têm vindo a ser melhor apetrechados, mas isso não nos resolve o problema em termos de identidade de clube, em termos daquilo que nós entendemos como criação de infraestruturas próprias, que nos traz essas vantagens”.

A Câmara Municipal apresentou o plano urbanístico E54, que prevê, entre outras valências, novas instalações desportivas para o CDP, para o Varzim e para a velha Praça de Touros que será demolida para dar lugar à nova Arena da Póvoa. “O projecto inicial, por sugestão da autarquia, para rentabilização deste espaço, era pela via imobiliária, com apartamentos, hotelaria e afins. Nesse sentido o CDP iria para terrenos junto ao parque da cidade. Esse processo foi a própria autarquia que o suspendeu, não fomos nós. Nós, apenas tiramos partido do processo que nos foi oferecido e criamos um modelo de instalações, que aprovamos. Posteriormente, quando nos suspenderam, um pouco surpreendentemente, este processo, já tínhamos parceiros e prazos de entrega dessas novas instalações. Aliás, neste momento o clube já as tinha, há cerca de meio ano. Estaríamos em instalações novas, com a dimensão que desejaríamos e com os espaços de receita já a funcionar. Os anos passam e o CDP tem o seu património suspenso, sem possibilidade de exercer qualquer tipo de actividade que vise a rentabilidade e optmização do seu património”, recorda Caldeira Figueiredo.

A direcção do clube não esmoreceu. Segundo o presidente foram apresentadas propostas que se fossem avante teriam sido benéficas: “Nós consultamos a nossa comunidade e fizemos propostas no sentido de manter aqui as instalações, financiá-las através de alguma rentabilidade de ocupação com serviços e com estruturas, que não só desportivas, no sentido de criar aqui uma massa de utentes e consumidores dos nossos equipamentos. Por exemplo, o Hotel que estava previsto, seria interessantíssimo termos as estruturas de apoio que temos agora, obviamente optimizadas, nomeadamente as piscinas e os bares associados a uma unidade hoteleira com exploração privada. Além disso, propusemos a instalação de serviços ligados à comunidade sénior, serviços que estão muito em voga, tendo em conta a transformação social e etária que existe. Tudo isto iria criar um perfil de ocupação que nos garantia consumidores para as nossas estruturas e o clube tornar-se-ia autossustentável”.

E acrescenta: “A resposta a esse projecto, por parte da autarquia, é a implantação de um pavilhão, um bocado desenraizado e separado do pavilhão actual, o que traz muitos problemas do ponto de vista da logística, do quadro de pessoal que é necessário para atender às necessidades dos jogos e treinos de dois pavilhões, não conseguíamos optimizar, precisávamos de ter equipas de um pavilhão e equipas de outro, tanto na manutenção como na logística, como na própria gestão do espaço. Depois, as estruturas de receita não existem. Estamos mediante uma situação de impasse que se tem vindo a prolongar em demasia e que tem um impacto muito negativo ao nível daquilo que é o potencial da actividade do CDP”.

 

Um Ano Para Mais Tarde Recordar e Plasmar no Futuro

 

“Ao mesmo tempo posso afirmar que parece que não se nota, porque o clube tem crescido. Esta gestão tem muito a ver com a qualidade que nós temos de poveiros, de atletas, de treinadores que ensinam esta gente a superar desafios. Espero que de algum modo a direcção inspire, com estas dificuldades, todo este princípio de superação tão presentes nestas equipas, que subiram ou lutaram para subir. Na realidade, o clube tem vivido anos, diria mesmo décadas de fulgor e crescimentos, tanto ao nível do número de modalidades como do seu próprio desenvolvimento. Acho que desta forma dá para imaginar aquilo que seria a qualidade que nós conseguiríamos se tivéssemos de facto acesso a outras condições e pelo menos, não termos estes constrangimentos que foram aqui elencados e que de algum modo, julgo que poderiam ser facilmente ultrapassáveis”, acredita Caldeira Figueiredo.

O CDP é um palco de dedicação às modalidades: “E à comunidade pela via do desporto, em que poveiros com mérito e com dedicação conseguem fazer no clube, um projecto com a sua assinatura e afirmação. Isso advém de um modelo de gestão e até de um modelo de liderança, que é um espaço aberto, uma tela em branco, para quem quer ter esse trabalho e essa dedicação à Póvoa. Por isso, tem-se notabilizado no CDP grandes equipas de trabalho que acedem a este espaço e que conseguem fazer por determinadas modalidades, resultados valorosos. Sabemos que há modalidades que se destacaram aqui, mas são hoje praticadas por outras instituições. Como o que fazem é meritório não justifica que o nosso clube esteja a clonar esse trabalho, para ombrear numa luta fratricida. Temos por exemplo, o caso da Pesca Desportiva, em que o CDP tem uma tradição gloriosa, com centenas de troféus e a partir do momento em que a modalidade foi para o Clube Naval, por razões óbvias, um clube de mar, deixamos de a praticar aqui. Aconteceu o mesmo com o Ténis e o Andebol”.

Para Caldeira Figueiredo, nada acontece ao acaso: “Há um posicionamento estratégico, por parte da direcção, naquilo que é tornar o clube mais próximo da comunidade, que passa por orientar a sua gestão no sentido em que o reflexo seja o qualitativo para todos os poveiros. Depois, há sempre gente que quer desenvolver actividades. Já tivemos propostas para modalidades mais incríveis, que até me escuso de elencar, mas que iriam ter um reflexo, na nossa perspectiva, muito residual. Queremos ter na comunidade esta atracção do mais precioso que é a juventude, que frequenta as nossas instalações, os nossos métodos de formação e, no fundo, a apreender através de jogos, estes valores da disciplina colectiva que as modalidades obrigam. Depois, queremos sempre nos afirmar. Temos o Voleibol de Praia que é uma modalidade que acaba por dar sequência ao voleibol durante o período estival. Temos o Futevolei e a responsabilidade na Póvoa de ter campeões nacionais que muitas vezes ocupam os três lugares do Pódio. Temos duplas, atletas do CDP, que são campeões europeus da modalidade. Este projecto tinha que ser acarinhado, por isso, criámos uma caixa de areia que permitiu treinar mesmo em tempo de pandemia. Conseguimos manter na Póvoa e enraizar uma modalidade, em que de facto somos muitíssimo bons, enquanto poveiro orgulhoso reconheço que estes atletas de Futevolei são de facto fantásticos”.

 

A Nova Realidade do Voleibol e do Hóquei é a Velha Dedicação  

 

Com as subidas de divisão no Voleibol e no Hóquei Patins a única promessa que fica, é entrega e dedicação ao clube: “Do ponto de vista financeiro, este momento que o clube atravessa, será pelo menos, de que há memória, o mais exigente. Não diria o mais dramático, mas o mais complicado do ponto de vista da gestão. Tivemos uma quebra superior a 70% naquilo que são as nossas receitas tradicionais de verão. O Parque automóvel e a Piscina exterior era o nosso São Miguel para a época. Antes disso, tivemos três meses sem receita por via da pandemia, mas algumas despesas mantiveram-se. O clube tem uma estrutura pesada que, para funcionar com estes 700 atletas e estas modalidades, acaba até por ser uma microestrutura. A partir do momento que pára, vem ao de cima um peso estrutural muito grande, que outros clubes não têm, porque se suportam em instalações que não são próprias e já têm funcionário, como os pavilhões das escolas ou da própria autarquia. Ora, isso é absolutamente sintomático da época que vamos ter a seguir. No entanto, estes projectos desportivos vinham meritoriamente de uma carruagem em andamento e que foi interrompida abruptamente a 16 de Março”.

E o presidente do CDP, Caldeira Figueiredo, acrescenta: “Foram projectos que chegaram a uma fase de definição, de apuramento de subida, em atletas e treinadores com o afinco que é próprio da raça poveira. Não esmoreceram e até aproveitaram o período de pandemia para fazer treinos virtuais e de incentivo a cada um, em suas casas, não perder a forma física. Isso permitiu chegar onde chegamos. Agora, temos estas equipas, o Voleibol masculino na 1ª divisão e o Voleibol feminino na 2ª divisão, tal como o Hóquei Patins. Os campeonatos vão ser seguramente muito difíceis. Estamos também numa incerteza do ponto de vista competitivo. As competições da formação ainda não receberam luz verde para arrancar, os treinos, com todas as condições de segurança, já arrancaram. É também um suporte que os pais precisam para que os filhos tenham essa actividade extracurricular. Espero que a qualidade dos poveiros e o seu espírito de entreajuda consiga unir-se a nós, porque só assim será possível disputarmos com dignidade estes campeonatos que já arrancaram”.

O desporto é uma metáfora da vida, por isso as tristezas e as alegrias que existem na vida também existem no desporto: “Talvez o desporto seja um laboratório que nos ensina e que tem formado estes jovens todos, para que no futuro, saibam lidar com os desencantos da vida, mas também com as grandes alegrias. Por vezes, é ainda mais difícil lidar com as grandes vitórias do que com as derrotas. Penso que é uma das ferramentas que estas centenas de milhares de jovens que passam pelo clube, têm”.

Caldeira Figueiredo gostava de ver realizado um desejo para o CDP: “A questão resume-se à criação de uma estrutura que garanta muita consistência a esta formação. Nós temos tido a criação de várias estruturas temporárias. É quase uma tenda que se monta e desmonta, para dar apoio, a um hóquei que já esteve na 1ª divisão ou para dar apoio a um evento de automobilismo. O que interessava era ter uma estrutura muito mais consistente, com receitas próprias, com capacidade de autonomia nessas instalações, porque isso, ia-nos dar sustentabilidade àquilo que queremos passar para os jovens. Essas receitas próprias e essa criação de um binómio consumidor-beneficiário ia-nos dar a possibilidade de extrapolar, muitíssimo de forma exponencial, a missão e o serviço que estamos a prestar à Póvoa. Acho que estivemos em todas as frentes, mostramos projectos com muita consistência, muito estudados, muito definidos. Acho que nos podemos ombrear com qualquer associação da Póvoa e, por aquilo que conheço doutras associações, nós tivemos sempre a nossa estratégia fundamentada em estudos muito aprofundados. Temos a certeza e sabemos muito bem, que neste momento, apesar daquilo que o clube consegue, o seu potencial é imenso e muito mais se conseguiria. Eu gostava de ver o CDP nesse carril”.

 

Por: José Peixoto

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