Voz da Póvoa
 
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Uma Luz para Acender os Corações

Uma Luz para Acender os Corações

Cultura | 27 Novembro 2020

Há um arrepio no ar, cheio de cores e símbolos de uma época que se quer em Família. Talvez o moderno da decoração nos transporte para o antigo da imaginação. Há um passado sempre presente, quando da felicidade buscamos todas as lembranças.

Era um tempo, outro, lá na distância, até no querer e ser feliz. Não havia esta azáfama de gente à procura de se encontrar num embrulho, oferecido ou recebido, na noite que há-de vir. Agora, chamam-lhe o Pai Natal e as canções não falam de outra miragem, mas o menino de onde nasci, era Jesus. E sem Jesus, Natal é uma festa vazia.

Descia pela chaminé e só deixava oferendas a quem tivesse sapatinho. No mundo do pé descalço, o outro dia era tão igual, que os sorrisos se repetiam em cada rosto de fome. A consoada era mais farta de solidariedade. Naquele tempo, a caridadezinha morria, sobrava uma cruz no peito do arrependimento ou da fingida desconsolação.

Agora, anuncia-se o Natal comercial, numa altura em que a dignidade da pessoa humana, da liberdade, da fraternidade, da igualdade, dos seus direitos, percorre os caminhos do recolher obrigatório. No essencial, ficamos a naufragar, reduzidos a horários impróprios, afundados na correria das compras, no cansaço consumista e insaciável do não saber existir, ou simplesmente esperar, admirar, abraçar, beijar.

Depois desta asfixia, foi com um sobressalto que ouvi o “Poema do Menino Jesus”, de Alberto Caeiro.

Um dia que Deus estava a dormir / E o Espírito Santo andava a voar, / Ele foi à caixa dos milagres e roubou três. / Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido. / Com o segundo criou-se eternamente humano e menino. / Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz / E deixou-o pregado na cruz que há no céu / E serve de modelo às outras. / Depois fugiu para o Sol / E desceu no primeiro raio que apanhou.

Hoje vive na minha aldeia comigo. / É uma criança bonita de riso e natural. / Limpa o nariz ao braço direito, / Chapinha nas poças de água, / Colhe as flores e gosta delas e esquece-as. / Atira pedras aos burros, / Rouba a fruta dos pomares / E foge a chorar e a gritar dos cães. / E, porque sabe que elas não gostam / E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas / Que vão em ranchos pelas estradas / Com as bilhas às cabeças / E levanta-lhes as saias. (…)

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro. / Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava. / Ele é o humano que é natural. / Ele é o divino que sorri e que brinca. / E por isso é que eu sei com toda a certeza / Que ele é o Menino Jesus verdadeiro. (…)

A Criança Nova que habita onde vivo / Dá-me uma mão a mim / E outra a tudo que existe / E assim vamos os três pelo caminho que houver, / Saltando e cantando e rindo / E gozando o nosso segredo comum / Que é saber por toda a parte / Que não há mistério no mundo / E que tudo vale a pena. (…)

Ele dorme dentro da minha alma / E às vezes acorda de noite / E brinca com os meus sonhos. / Vira uns de pernas para o ar, / Põe uns em cima dos outros / E bate palmas sozinho / Sorrindo para o meu sono. (…)

Esta é a história do meu Menino Jesus. / Por que razão que se perceba / Não há-de ser ela mais verdadeira / Que tudo quanto os filósofos pensam / E tudo quanto as religiões ensinam?
                           
 Texto: José Peixoto / Fotografia: Luís Xavier    

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