Voz da Póvoa
 
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Uma Corrente Continua de Escritas para Homenagear

Uma Corrente Continua de Escritas para Homenagear

Cultura | 13 Fevereiro 2023

 

As mãos que escrevem já não contam nos dedos os nomes dos que celebraram no Correntes d’Escritas a humanização de uma partilha entre o seu imaginário criativo e os seus leitores ou admiradores, antes da eternidade requisitar a sua presença. 
   
Agustina Bessa-Luís, portuguesa de Vila Meã, escreveu num sopro “Eu desejaria que o Novo Ano trouxesse no ventre morte, peste e guerra. Morte à senilidade idealista e à retórica embalsamada; peste para um certo código cultural que age sobre os grupos e os transforma em colectividades emocionais; guerra à recuperação da personalidade duma cultura extinta que nada tem a ver com a cultura em si mesma”.

E num suspiro revelou: “Eu desejaria que o Novo Ano trouxesse nos braços a vida, a energia e a paz. Vida o suficientemente despersonalizada no caudal urbano para que os desvios individuais não sejam convite ao eterno controlo e expressão das pessoas; energia para desmascarar o sectarismo da sociedade secularizada em que o estado afectivo é mais forte do que a acção; paz para os homens de boa e de má vontade”. In 'Caderno de Significados'.

“Sei que as lágrimas dos meus filhos me hão-de acompanhar toda a vida. Como me senti pobre e miserável perante a sua indefesa… Que fraco me vi perante a impossibilidade de partilhar a sua justa ira, as suas recusas, os seus cânticos à vida, as suas imprecações a um deus que, por eles e só por eles, teria em mim um crente, as suas esperanças invocadas com toda a pureza dos homens no seu melhor estado…” Sim é verdade, deveria revelar que este extrato foi roubado ao livro de Luis Sepúlveda ‘A História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar’.

A primeira vez do prémio literário Casino da Póvoa, atribuído a um livro de poesia, no âmbito do Correntes d’Escritas: “Sonhei contigo, acordei a pensar que ainda eras, como é esta janela, como o corpo obedece a este vento quente, e é ágil, mas tudo: tão confuso como são os sonhos. Agora, neste instante, recordo a sensação de estares, o toque. Não distingo os contornos do meu sonho, não sei se era uma casa, ou um pedaço de ar. A memória limpíssima é de ti e cobriu tudo, e trouxe azul e sol a esta praça onde me sento, organizada a esquadro, como as casas. E agora, o teu andar acabou de passar mesmo ao meu lado, igual, e agora multiplica-se nas mesas e cadeiras que cobrem rua e praça, e eu vejo-te no vidro à minha frente, mais real que este instante, e se Bruegel te visse, pintava-te, exactíssima e aqui. E serias: mais perto de um eterno”, ser poético, Ana Luísa Amaral a revelar-se de ‘Vozes’.

“Não tenho filhos, mas leitores, capazes por si sós de defenderem a civilização contra os avanços da barbárie. A eles nomeio sucessores de uma linguagem irrenunciável. E, embora duvide às vezes se vale defender alguns princípios hoje contestados, persisto em inscrever certas normas no código dos direitos humanos”. Transparente como o ‘Livro das horas’, de Nélida Piñon. 

José Peixoto 

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